Tuesday 30 March 2021

O DEUS DO MUNDO NO MUNDO DE DEUS

Muitos são os homens que enxergam o mundo sem Deus – como fazem os profanos. Menos numerosos são os que enxergam a Deus sem o mundo – como os que vivem na espiritual contemplação, e raríssimos são os homens, que enxergam a Deus no mundo, e o mundo em Deus – como o místico. E essa é a maior prova que o identifica dos demais, pois ele enxerga com facilidade, Deus em tudo e tudo em Deus.

Há quem considere o místico, o iniciado, o vidente de Deus, como sendo um alucinado, um homem autossugestionado, um caçador de ilusões e sonhador. É que o profano não sabe que Deus está no mundo, e em tudo no mundo; não sabe que a existência não é apenas um belo idealismo poético ou estético, um delírio sentimental nas horas vagas, mas, sim, uma sólida realidade. De fato, a permanência de Deus em tudo não é apenas fisicamente real, mas é metafisicamente certa, tão certa como é certo que a causa está no efeito, e o efeito está na causa. Causa e efeito são, na realidade, uma só lei, considerada de dois lados diferentes: do lado ativo é chamada “causa”, do lado passivo é “efeito”.

Há quem negue que o efeito não está necessariamente dentro da causa, ou vice-versa; tanto assim que o efeito – por exemplo, o filho – pode continuar a existir quando a causa – neste caso, os pais – já deixaram de existir.

No entanto, esta negação é improcedente, pela simples razão de não serem os pais a verdadeira causa do filho – assim como a semente não é a causa da árvore, nem o ovo é a causa da ave. As chamadas “causas individuais” da natureza são simples “condições”, agentes externos, e não fatores internos, relativamente ao efeito; não produzem o efeito de dentro de si, mas servem apenas como veículos ou canais por onde fluem e derivam os efeitos, que resultam de outra causa. A árvore não vem da semente, mas através dela – assim como a ave não vem do ovo e o filho não vem dos pais.

David Hume (1711-1776), filósofo, historiador, economista, bibliotecário e ensaísta do Iluminismo escocês, mais conhecido hoje por seu empirismo filosófico, ceticismo e naturalismo, em seu livro Tratado da Natureza Humana, escreveu que: “Não existem causas no mundo dos fenômenos – só existe uma Causa.” Infelizmente, esse iluminista escocês não se aventurou a dar o segundo passo – nem o podia dar, do seu ponto de vista baseado puramente na experiência – depois de negar a existência de verdadeiras causas individuais, não confirmou a verdade da Causa Universal.

O puro, verdadeiro e integral raciocínio, obriga a admitir a existência de uma Causa Única, Universal, Cósmica, Eterna, Simultânea, Não Creada, Autoexistente, Causa essa que, no tempo e no espaço, se revela em inúmeros fenômenos individuais, ou seja, os efeitos.  

Ora, nenhum desses efeitos é externo à Causa creadora, uma vez que cada um desses efeitos é essa mesma causa considerada parcialmente.

Assim, o mundo não está e nem pode estar fora de Deus, como Deus não pode estar fora do mundo, porque Deus é a Causa Universal, da qual todos os mundos são manifestações parciais.

Se o Universo fosse algo separado de Deus, ele seria uma nova realidade existente alheia a Deus, o que é absurdo e impossível, uma vez que não pode existir mais de uma Realidade Absoluta, nem pode haver algo separado ou ao lado de Deus, como se algum “finito” pudesse existir além ou separado do “Infinito”, no qual está necessariamente contido. Qualquer algo “separado”, “alheio”, ou “ao lado” do Todo é simples ficção da mente, ficção que nada corresponde no plano da realidade objetiva, que incorpora a essência de tudo.

O mais puro e verdadeiro raciocínio obriga a admitir que a Causa única e íntima Essência do mundo, e de cada ser existente no mundo, é Deus. O que a ciência costuma chamar as “Leis” da natureza, esse fator invisível que tudo crea, rege e orienta, é, na realidade, uma única lei com variadas manifestações – física, química, psíquica, biológica, elétrica, eletrônica, atômica, etc., e essa única lei da natureza é idêntica a Deus. Deus não fez leis e as inseriu em tudo, como a ignorância científica anuncia; Deus é a íntima lei de todos os fenômenos do Universo. Deus, não é idêntico a nenhum desses fenômenos e sim, idêntico à única Lei, Causa ou Essência de tudo – o que se poderia denominar “tudo-em-Deus”. Todos os grandes gênios espirituais, sobretudo Jesus, foram e são adeptos desse conceito de tudo em Deus assim como é toda a verdadeira filosofia e religião. E é nesta suprema vidência ou visão da Realidade Cósmica, que consiste a verdadeira grandeza de Jesus – como na falta dessa intuição se baseia a infantilidade da massa profana do gênero humano. O olhar do místico não se fixa na superfície opaca dos fenômenos, como os olhos míopes do profano, mas penetra essa superfície, atravessa todas as camadas externas de tudo e atinge a essência, o íntimo dos seres, que é absoluto, infinito, universal, eterno.

O iniciado incorpora a essência - enquanto o profano, a superficialidade. O iniciado mergulha na infinita profundeza do que é conhecido sem a ajuda dos sentidos – ao passo que o profano se fixa na superfície dos fenômenos.

O iniciado formou-se na Universidade do Universo – enquanto o profano continua cursando a escola primária da parcialidade.

O iniciado vive feliz no conhecimento da verdade – ao passo que o homem profano é tão infeliz que corre em busca de toda a sorte de prazeres, na inútil tentativa de satisfazer o abismo da sua infelicidade e o vazio de sua vida agitada.

O místico vive na luminosa atmosfera de um só grande amor, assim dividido: o amor a Deus, o amor aos homens, e o amor à natureza. Ele ama a Deus em sua essência totalmente consciente; ama a Deus na sua imagem consciente (homem), e ama a Deus na sua obra inconsciente (a natureza).

Quando o homem profano eventualmente caminha pela natureza e experimenta fantasias sentimentais, diante de uma linda paisagem e a escutar os sons e movimentos dos seres dessa natureza – ele se julga, tomado de um arrebatamento. Mas isso é pura ilusão! O profano pode se enamorar com a natureza sem lhe ter o menor amor. De fato, nenhum profano pode amar a natureza, porque amor supõe compreensão e fusão de almas, já que ele não compreende a natureza e não está identificado com ela. Mas, como pode o profano compreender e amar a natureza, quando ele ignora a íntima essência, que é Deus? Um analfabeto do Deus do mundo é necessariamente um analfabeto do mundo de Deus. Só pode amar o mundo de Deus quem ama o Deus do mundo e tem a compreensão intuitiva dos seus eternos mistérios.

Para quem não se identificou plenamente com Deus, a natureza representa um constante perigo, uma tentação e negação de Deus. O profano não ama a natureza em Deus, mas a ama sem Deus ou em vez de Deus; é um idólatra, um infiel, um renegado, um que nega Deus. Quem não se acha firmemente consolidado em Deus, melhor não se entregar ao entusiasmo naturalista, porque para ele a natureza é uma sereia sedutora que o afasta, e não uma amiga condutora, que o aproxime de Deus.

Para o iniciado, a natureza é desde os átomos até aos astros, uma auxiliar e amiga de confiança, uma fiel aliada e companheira, que enxerga o homem como seu irmão mais velho, consciente, capaz de levar pela mão a inconsciente natureza, para que ambos cheguem a Deus – o Alfa e o Ômega, o eterno Amém, do qual tudo vem, no qual tudo existe e para o qual tudo vai.

Texto revisado extraído do livro Profanos e Iniciados

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