É esta, sem dúvida, uma das parábolas mais enigmáticas de Jesus: “A planta cresce por si mesma, de dia e de noite”. Parábola que focaliza a vitalidade imanente de uma planta normal, que se transforma aos poucos numa grande variedade de formas, cores, tamanhos, sem a necessidade de uma intervenção externa.
Avaliando esse enigma, se pode pensar que o que acontece com a planta, também pode acontecer com o homem que peregrina rumo à sua autorrealização; em linguagem simbólica, à perfeição que é uma planta - e que ninguém pode interromper essa cadeia evolutiva.
Na semente vegetal em desenvolvimento normal, não há perigo de adulteração porque a semente tem uma só possibilidade de evolução, tem, por assim dizer, caminhos rigorosamente marcados, sobre os quais deve traçar; ou se desenvolverá neste sentido ou não se desenvolverá satisfatoriamente. No entanto, em se tratando da evolução da semente divina do reino de Deus entre os homens, há inúmeras possiblidades de adulteração.
O mesmo se passou com o cristianismo de hoje, que é profundamente diferente do cristianismo no ano 33 da nossa era, assim como o pé de trigo não tem nenhuma semelhança visível com o grão de trigo do qual brotou. A semelhança externa entre a planta e a semente é praticamente nula – mas a identidade da essência é perfeita. A semente é a planta em potencial, e a planta é a semente dinamizada.
Não era possível que o “grão de trigo” que era o cristianismo no ano 33 da nossa era continuasse a ser, externamente, o mesmo no século 21. O seu destino era crescer, evolver, expandir gradualmente todas as suas forças latentes.
Com o aparecimento de Paulo de Tarso no cenário do cristianismo, principia uma grande modificação da forma primitiva da doutrina de Jesus, que segue mais o modelo paulino do que crístico. Com Agostinho, aparece outro fator de modificação. O nosso cristianismo eclesiástico de hoje seria inconcebível sem as ideias de pecado original e redenção pelo sangue.
Se a humanidade fosse espiritualmente madura, conceberia o cristianismo exatamente assim como Jesus o concebia e como brotou do seu coração. Mas uma humanidade imatura como a atual, recebe o cristianismo não segundo a maturidade espiritual de seu autor, mas segundo a imaturidade e inabilidade de seus discípulos.
Uma criança com os seus modos infantis é aceitável, agradável com todas as ingenuidades, brincadeiras e infantilidades de sua idade, podendo até ser encantadora e simpática; mas, quando assume ares de pessoa madura, causa diferente impressão. Por outro lado, seria grotesco o comportamento infantil de um homem adulto.
Coisa análoga se dá com as religiões organizadas. Enquanto apenas atuam como estágios evolutivos rumo ao Cristo eterno e universal, são formas aceitáveis, mas quando se julgam em algo completo e definitivo, quando pretendem ser o próprio cristianismo de Jesus, tornam-se absurdas e antipáticas. Tudo que é natural é agradável, tudo que não é natural, levanta suspeitas, podendo ser até desagradável.
É metafisicamente impossível organizar o elemento espiritual, divino. Organizar é definir, limitar, ser finito – mas o Infinito está para além de todas essas fronteiras. O cristianismo em si não é organizável. O que é organizável é o corpo, isto é, a parte visível, humana; a alma do cristianismo não é suscetível de organização, porque ela é espírito, vida, luz. No momento em que principia a organização do cristianismo, começa a sua decadência.
Todas as igrejas e seitas organizadas em estatutos, regulamentos, dogmas, credos, doutrinas padronizadas, ideias cristalizadas, sacramentos, ritos, etc., representam apenas o corpo visível da religião, o símbolo material, para além do qual existe o simbolizado espiritual, que não é organizável. Os que identificam a religião com esses símbolos externos, conhecem apenas o invólucro, mas não o conteúdo da religião, que não é objeto de definição ou organização. Tudo o que é físico e mental é organizável; mas o cristianismo é essencialmente racional ou espiritual, segue-se que o cristianismo não se pode organizar.
Pode o símbolo ser útil para que, através dele, o homem profano chegue ao simbolizado. No entanto, o mal das igrejas e seitas não está em se servirem de símbolos; o mal aparece quando algumas dessas sociedades organizadas proíbe os seus adeptos de ultrapassar a fronteira dos dogmas e símbolos e alcançar o simbolizado.
Que diríamos de um condutor que obrigasse o viajante a parar diante de uma seta no meio do caminho, que olhasse para ela, em vez de seguir o rumo indicado? Não obedece ao sentido da seta quem para ao pé dela, mas sim aquele que se afasta dela seguindo o rumo por ela indicado. Certas igrejas ou seitas que relutam em aceitar que seus adeptos ultrapassem esses símbolos são como guias que não indicam, mas que exigem do viajante a idolatria da adoração da própria seta. Quebraram a seta indicadora para impedir que o viajor siga adiante.
Assim, por exemplo, certa teologia ensina que o rito sacramental funciona automaticamente, quando isso é uma evidente negação da alma da cristicidade. Jesus não deu a nenhum objeto, a nenhuma fórmula mágica, o poder de produzir o efeito espiritual, automaticamente. Isso é uma reminiscência dos “mistérios esotéricos” de Delfos, Elêusis, etc., do tempo do paganismo romano, que contaminou o cristianismo eclesiástico.
O estágio evolutivo da teologia, que remonta aos princípios do quarto século, foi necessário nos primeiros séculos que se seguiram ao período das catacumbas, onde não havia organização; representa a infância espiritual da humanidade; autoridade infalível de cima e obediência incondicional de baixo.
Depois disso, o protestantismo foi igualmente necessário como período adolescente da humanidade rumo à maturidade; era necessário frisar a importância do conhecimento dos livros sacros do Antigo e do Novo Testamento, praticamente substituídos, no período romano, pelos decretos dos concílios eclesiásticos e pela filosofia ensinada nos seminários católicos.
No século XX, em diversos países do Ocidente cristão, surgiu o movimento do espiritismo doutrinário, cuja missão primordial está em frisar a continuidade da vida após a morte e a necessidade da beneficência social, sobretudo entre as classes mais abandonadas, bem como em clamar pela completa gratuidade dos serviços religiosos, preceitos esses que o catolicismo romano e o protestantismo não haviam tomado a sério.
O cristianismo não é romano, nem protestante, nem espírita, mas Universal. Apesar de que outras formas de igrejas são, até certo ponto, necessárias para a humanidade em marcha. A pompa hierárquica da liturgia romana; a seriedade da investigação bíblica cultivada pelo protestantismo; o espírito de sacrifício com que o espiritismo pratica a caridade social, tudo isso é necessário para abrir caminho rumo ao cristianismo eterno e Universal, e cada uma dessas organizações contribui para o acabamento do gigantesco santuário do cristianismo cósmico.
O mal não está nessa contribuição, mas sim na presunção de alguns desses movimentos que pretendem monopolizar e identificar a sua igreja ou seita com o cristianismo eterno e universal.
Essa presunção nasce da inabilidade de enxergarem o Todo numa visão panorâmica, mas apenas parcial e egoísta.
Entretanto, a planta divina do cristianismo vai crescendo, na serenidade ou na tribulação. O princípio vital é invisível em si mesmo, mas o que produz é visível. A raiz, a haste, as folhas, as flores, os frutos - tudo isso faz parte da planta, mas nenhuma dessas partes é a planta, nem mesmo a soma total desses elementos. Enquanto essas partes mantem contato vital com a misteriosa alma da planta, cumprem a sua missão; no dia e na hora que obstruírem a circulação das seivas vitais da alma da planta, começa a agonia da planta. Ninguém pode matar a Vida; só podemos desligar a Vida Universal de algum dos seus veículos individuais.
As organizações eclesiásticas não devem substituir o Evangelho de Jesus, o corpo não deve matar a alma.
Texto revisado extraído do livro Assim Dizia o Mestre
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