O texto abaixo é uma tradução para o Português de um esclarecimento e advertência do escritor, espiritualista e conferencista Adyashanty – Steven Gray, em “Vendendo Água na Beira do Rio”, que realizou em si mesmo, o encontro com seu Eu espiritual, o mestre inerente em cada ser humano. Aos 25 anos de idade, enquanto meditava, “penetrou no vazio de tudo e concluiu que o Buda que procurava, era o que ele era, que habitava nele mesmo”, ou seja, encontrou o mestre dentro de si.
Quando se trata da busca espiritual - que cedo ou tarde deve acontecer - é preciso acima de tudo, “separar o joio do trigo”, principalmente no que se refere à busca de um orientador espiritual. Se esse chamado orientador, mestre, guru, etc., não colocar em prática e efetivamente, o completo desapego do seu próprio ego tirânico, ele será mais um “guia cego guiando outro cego, e ambos cairão na cova.”
Todos aqueles que se atribuem como sendo seres espirituais, cometem um ingênuo erro, se não abdicarem do ego, pois o ego e o Eu espiritual são absolutamente incompatíveis enquanto tiverem como base a Realidade. Tanto um como outro, podem ter até uma convivência harmônica, onde o ego vive a driblar essa Realidade, iludido pela realidade do Eu, que é divino em todo ser humano. O encontro ao Eu espiritual só acontece durante uma árdua peregrinação, “porque estreita é a porta e difícil é o caminho que leva à vida, e são poucos os que a encontram”, e os que encontram descartaram o seu ego, pois não há mais espaço para ele.
Huberto Rohden, filósofo, educador, espiritualista e teólogo brasileiro, em um de seus livros, adverte em forma poética, na “vida e morte de meu orgulho filosófico”, da compulsória necessidade de descartar o ego com a finalidade de atingir a iluminação espiritual:
O “eu sei” alimenta o meu ego,
O “eu sou” exige a morte desse ego
Para que o Eu possa nascer ...
Agora, só me resta essa chama humilde,
Do meu sincero querer,
Do meu sagrado crer,
Na silenciosa expectativa da graça de Deus
Que venha com sua plenitude
Encher a minha vacuidade ...
VENDENDO ÁGUA NA BEIRA DO RIO
“Muitos dos que buscam a iluminação não assumem a responsabilidade por sua própria libertação, mas esperam por uma grande experiência espiritual que os levará a ela. Essa busca pela experiência libertadora dá origem à essa forma desenfreada de consumismo espiritual dos nossos dias, onde os que buscam, vão de um “Mestre” a outro, como se comprassem iluminação em supermercados. Essa promiscuidade ao encontro espiritual está rapidamente transformando a busca pela iluminação em um culto de “buscadores” de experiências. E, embora muitas pessoas realmente tenham experiências poderosas, na maioria dos casos elas não levam à profunda transformação do indivíduo, que é a própria iluminação em si mesma.
Ao conversar com esses buscadores espirituais, se dá conta de quão viciados eles são pelo poder do carisma de um “Mestre,” e trocam histórias sobre o quão poderoso é esse ou aquele, comparando suas experiências e confundindo carisma com iluminação. O carisma nos atrai a todos os níveis de existência, alimentando o desejo do ego de se sentir especial. O ego adora receber golpes de poder - é como uma forma de “maçã do amor” espiritual. A maçã pode ser doce, mas não se pode viver apenas dela. Não nos faz livres!
Muitos confundem o poder inebriante do carisma, por iluminação. Para poder ser livre, é preciso o desejo de conhecer a Verdade, mais do que se sentir bem em suas conquistas. Pois, se sentir bem é o seu objetivo, em se sentindo melhor, se perde o interesse em conhecer o que é a Verdade. Isso não significa que, em se sentindo bem ou experienciando o amor e a benção, seja algo ruim. Dada a oportunidade, ou escolha, é preferível ser abençoado do que viver triste. Significa que, se esse desejo de se sentir bem é maior que a ânsia de enxergar, conhecer e experienciar a Verdade, esse desejo será sempre distorcido pela percepção do que é o Real, corrompendo profundamente a integridade do peregrino espiritual.
Se alguém inicia o jogo de ser “alguém iluminado”, o verdadeiro mestre vai advertir, e essa advertência, vai expor o pseudo iluminado, ainda carregado de ego, à uma situação de desconforto e humilhação diante da luz da Verdade. E o ego, relutante, vai dizer que o mestre errou, justificando e se revestindo da roupagem da proteção pessoal ilusória. É nesse limiar então, que a prática espiritual se inicia. É nessa situação que tudo começa a se aclarar e onde o peregrino, diante das setas do caminho, enfrenta seu maior desafio, ser um verdadeiro peregrino ou viver nessa falsa ilusão.
É a linha divisória entre o verdadeiro e o falso peregrino. O verdadeiro peregrino a ser espiritual terá que enfrentar o caminho humilde, enquanto o falso fugirá desse. E assim se abre o caminho à iluminação, mas somente àqueles dispostos a ser “ninguém” – despojados do ego. Em se descobrindo e vivendo esse “egocídio”, essa “nulidade”, abrem-se as portas; se se desperta para o Ser, para a Fonte de toda a Existência – da cristalina pureza! O ego é, a princípio, o movimento da mente em direção aos objetos da percepção dos quais a mente se prende, e se afasta de outros objetos mais sutis.
Esse movimento de apreensão e aversão dá origem a um sentido de um “eu” separado e, por sua vez, por mais paradoxal que seja, o sentido do “eu" se fortalece. É esse ciclo contínuo de causalidade que desperta a consciência em um transe de identificação. Identificação com o que? Identificação com o ciclo, com o giro contínuo de sofrimento. Mas, afinal, quem está sofrendo? O “eu” está sofrendo. E quem é esse eu? Não é nada mais que o senso de si mesmo, causado pela identificação com a apreensão e aversão. Tudo é uma creação da mente, um interminável filme, um pesadelo. Porém, não tente mudar o sonho, porque tentar muda-lo é apenas outro movimento no sonho. Esteja ciente do sonho. Essa consciência é esse Sonho. Torne-se mais interessado na consciência do Sonho do que no sonho em si. E o que é essa consciência? Quem é essa consciência? Não dê uma resposta, apenas seja a resposta. Seja a resposta!
A iluminação significa o fim de toda divisão. Não é simplesmente em se ter uma experiência ocasional de unidade além de toda divisão, na verdade, é Ser indiviso. Isso é o que realmente significa não-dualidade. Significa que há apenas um Eu, sem diferença ou lacuna entre a profunda revelação da Unidade e o modo como ela é percebida e vivida em todos os momentos da vida. A não-dualidade significa que a revelação interior e a expressão externa da personalidade são Uma e a mesma.
Poucas pessoas parecem estar interessadas na implicação contida em profundas experiências espirituais, porque é a contemplação dessas implicações que rapidamente traz à consciência as divisões internas existentes na maioria dos peregrinos. A iluminação não tem nada a ver com estados de consciência. Se você está na consciência do ego ou na consciência da unidade, isso não é relevante. Existem pessoas que têm acesso fácil a estados avançados de consciência, embora para elas isso possa ser muito fácil, mas se observa também que muitas dessas pessoas não são mais livres do que qualquer outra. Se alguém não acredita que o ego pode existir em estados avançados de consciência, deve repensar seus conceitos. O que é relevante, não é o estado de consciência em si, e mesmo os mais avançados, mas o “Mistério do Despertar”, que é a fonte de todos os estados de consciência, é a fonte da Presença e do Ser; está além de toda percepção e toda experiência. Isso é o “Despertamento”! Descobrir que a pessoa está vazia do vazio, é morrer em um Mistério Consciente, que é a fonte de toda a existência. Acontece que esse mistério está no Amor com toda a sua manifestação e não manifestação. Você encontra o seu Eu, saindo de si mesmo.
O legado deixado por Ramana Maharshi para o mundo não foi que ele realizasse o Eu. Muitos já tiveram uma profunda percepção do Eu, mas o verdadeiro legado dele foi que encarnou essa compreensão, completamente. Uma coisa é realizar o Eu; outra coisa é incorporar essa realização de tal maneira que desaparece a lacuna entre a revelação interior e sua expressão exterior. Muitos vislumbraram a realização na Unidade; poucos expressam essa percepção por meio de sua essência humana, crística por sua própria natureza. Uma coisa é tocar numa chama e saber que ela queima, mas outra bem diferente é mergulhar naquela chama e ser consumida por ela.”
_______________
“Vendendo água na beira do rio” é uma famosa frase dita por um mestre Zen budista para descrever seus quarenta anos de ensino.
Por que comprar água de alguém que está à beira do rio, quando se poderia facilmente colocar uma vasilha no rio e coletar a água?
É que na escola Zen, essa figura de linguagem representa um círculo, onde não há absolutamente nada a atingir e nada a se obter. O homem busca por algo que sente falta, sem se fazer conta que a ele tudo foi oferecido. Ele veio completo e inteiro, apesar de passar por diversos estágios de desenvolvimento, e volta para o ponto zero de onde tudo começou, sob a ilusão de que estava incompleto.
As decepções e dúvidas são normais, e esse é o fator que deve despertar o homem para a Realidade, para a busca, para o conhecimento e final autorrealização. Perceber isso é perceber que sempre há um que é incompleto e imperfeito junto com aquele que nunca foi nada menos do que perfeito, competitivo e completo desde o início.
Se esforçar para ter comunhão com Deus é espiritualidade. Mas, quando se percebe que intrinsecamente o homem está sempre em comunhão divina, não há mais necessidade de espiritualidade. Assim como um oceano lutando para ser água, mas que por natureza, sempre foi uma manifestação da água. Portanto, o esforço é discutível. Alan Watts, escritor e comunicador inglês expressou perfeitamente quando disse: “O Zen não confunde espiritualidade com pensar em Deus enquanto você está descascando batatas. A espiritualidade Zen é simplesmente descascar as batatas.” Ou T.S. Eliot, poeta e escritor anglo-americano, quando disse: “O fim de toda a nossa exploração será chegar onde começamos e ver o lugar pela primeira vez.”
No comments:
Post a Comment