Wednesday, 18 August 2021

AUTO-INICIAÇÃO

Hoje em dia, muitas pessoas falam em iniciação. Todos querem ser iniciados. Mas entendem por iniciação, uma iniciação por algum agente externo, uma iniciação por outra pessoa, por um mestre ou um guru. Entretanto, esta forma de iniciação é uma fantasia, uma ilusão, uma fraude espiritual.

Só existe auto iniciação. O homem só pode ser iniciado por si mesmo. O que um possível orientador pode fazer é mostrar o caminho para a auto iniciação; pode colocar setas ao longo do caminho que indiquem a direção certa que o discípulo deve seguir para chegar ao conhecimento da verdade sobre si mesmo. Isto pode e deve esse orientador fazer – suposto que ele mesmo seja um auto iniciado.

Jesus, o maior dos mestres que a humanidade conhece, durante três anos consecutivos, mostrou a seus discípulos o caminho da iniciação, o que ele chama o “Reino dos Céus”, mas não iniciou nenhum deles. Eles mesmos se auto iniciaram na manhã do domingo de Pentecostes, como afirma Lucas, nos Atos dos Apóstolos.

Mas aquela auto iniciação aconteceu só depois de 9 dias de profundo silêncio e meditação; 120 pessoas se auto iniciaram, sem nenhum mestre externo, só dirigidas pelo mestre interno de cada um, pela consciência de seu próprio Eu divino, da sua alma, do seu Cristo Interno, que pode e deve ser realizada por toda pessoa.

--- Mas, o que é que quer dizer Iniciação?

--- Iniciação é o início na experiência da verdade sobre si mesmo – onde deve começar nesse processo, uma mudança básica na condição da existência.

O homem profano vive na ilusão sobre si mesmo. Não sabe o que ele realmente é. Esse homem se identifica apenas com o seu corpo, sua mente, suas emoções; e vive toda sua vida nesta ilusão. Não se iniciou na verdade sobre si mesmo, não possui autoconhecimento, e por isto não pode se auto realizar.

--- O que um homem profano deve fazer para se auto iniciar? Para sair do mundo da ilusão sobre si mesmo e entrar no mundo da verdade?

Deve fazer o que fez o primeiro grupo de auto iniciados, no ano 33, em Jerusalém, isto é, deve aprender a meditar, que implica necessariamente em uma completa revisão de comportamento. O homem vive em média, 16 horas do dia, imerso em seus afazeres na tentativa de resolver seus dramas e dilemas sob o constante barulho provocado pela chamada civilização, com a mente multipolarizada em pensamentos de toda sorte, não dando o mínimo espaço para que a quietude e o silêncio invadam a sua alma e que possa permitir que a sabedoria do Universo se aproxime de seu ser. Somente quando o homem tomar consciência da necessidade de mudanças, é que ele poderá, a partir do aprendizado da quietude, que o Universo invada sua alma para um novo e mais abundante recomeço de vida.

Os discípulos de Jesus fizeram três anos de aprendizado e nove dias de meditação – depois se auto iniciaram. Descobriram a verdade libertadora sobre si mesmos. A verdade que os libertou da ilusão de se identificarem com o seu corpo, com a sua mente, com as suas emoções; saíram das trevas da ilusão escravizante, e ingressaram na luz da verdade libertadora: “Eu sou espírito, eu sou alma, eu e o Pai somos um, o Pai está em mim e eu estou no Pai... O reino dos céus está dentro de mim.”

E quem descobre a verdade sobre si mesmo, liberta-se de todas as mentiras e ilusões. Liberta-se do egoísmo, da ganância, da luxúria, da vontade de explorar, de se valer da fraude para contrariar a lei. Liberta-se de toda a injustiça, de toda a desonestidade, de todos os ódios e hostilidades – de todo o mundo caótico do ego tirânico.

O iniciado morre para o seu ego ilusório e nasce para o seu Eu verdadeiro.

O iniciado dá o primeiro passo para dentro do “Reino dos Céus”. Começa a vida eterna em plena vida terrestre. Não espera um céu para depois da morte, vive no céu da verdade, aqui e agora – e para sempre.

Isto é auto iniciação.

Isto é autoconhecimento.

Isto é autorrealização.

E o início dessa realização só ocorre pela meditação; no entanto, é impossível a verdadeira meditação sem que o homem se esvazie de todos os conteúdos do seu ego ilusório; quem se esvaziar da sua ego-consciência será plenificado pela cosmo-consciência, que é a iniciação. E é possível realizar este ego-esvaziamento no momento da meditação, mesmo que seja meia hora de introversão. No entanto, é preciso lembrar que essa meia hora de meditação nada resolve, não abre as portas para a iniciação – se o homem não se libertar da escravidão de seu ego.

--- E como fazer isso?

Libertar-se da escravidão do ego é usar os bens materiais na medida do necessário, e não do supérfluo; o homem deve e pode ter um conforto necessário, mas sem excessos, pois sem o desapego do supérfluo, a experiência mística (o contato com a divindade) durante a meditação, é impossível sem a ética (a vivência com os homens) na vida diária.

Luxo e luxúria são lixo que atravancam o caminho para a iniciação, e quem não remover esse lixo pode fazer quantas meditações quiser que não vai se iniciar, porque as leis cósmicas não podem ser burladas.

A verdadeira felicidade do homem começa com a sua auto iniciação. Fora disto, ele pode ter um mundo de gozos e prazeres, mas não terá felicidade verdadeira, paz de espírito, tranquilidade de consciência. Todos os gozos e prazeres são do ego ilusório, somente a felicidade é do Eu verdadeiro.

Um auto iniciado redime a si mesmo e ajuda na redenção dos outros.

“Quando um único homem - escreveu Mahatma Gandhi - chega à plenitude do amor (autorrealização), ele neutraliza o ódio de muitos milhões.”

Nada pode o mundo esperar de um homem que algo espera do mundo – tudo pode o mundo esperar de um homem que nada espera do mundo.

O iniciado dá tudo e não espera nada do mundo. Ele já encerrou as contas com o mundo, está quite com o mundo. Pode dar tudo sem perder nada; ele é um místico – não um místico de isolamento solitário, mas um místico dinâmico e solidário, que vive no meio do mundo sem ser do mundo.

Onde existe uma plenitude, existe também um transbordamento. O homem plenificado pelo autoconhecimento e pela autorrealização transborda a sua plenitude, consciente ou inconscientemente, saiba ou não saiba, queira ou não queira. Esta lei cósmica funciona infalivelmente.

Esse homem faz o bem pelo fato de ser bom, de viver em harmonia com a alma do Universo. Por isto, para fazer bem aos outros e à humanidade, não é necessário nem é suficiente fazer muitas coisas, mas é necessário ser bom, ser realizado, e plenificado em seu Eu central, consciente e vivendo de acordo com o seu Eu central, com o seu Cristo interno.

A plenitude da consciência mística da paternidade única de Deus transborda irresistivelmente na vivência ética da fraternidade universal dos homens.

Para se ter laranjas, é necessário apenas ter uma árvore forte e vigorosa que produza laranjas. Nem é necessário ensinar à laranjeira o que fazer – ela sabe, com infalível certeza, como produzir flores e frutos.

Assim, toda a preocupação de querer fazer bem aos outros sem ser bom é uma ilusão tão funesta como o esforço de querer produzir uma laranja sem ter uma laranjeira.

Mais importante que fazer o bem é ser bom.

--- Mas o que quer dizer ser bom?

Onde não há plenitude interna não pode haver transbordamento externo. Para fazer o bem aos outros o homem deve ser realmente bom em si mesmo.

Somente o conhecimento da verdade sobre si mesmo é libertador; toda e qualquer ilusão sobre si mesmo é escravizante.

Os mais ruidosos sucessos sem a realização interna são deslumbrantes vazios; são como bolhas de sabão – belas por fora, mas cheias de vazio por dentro. 1% de ser bom realiza mais do que 100% de fazer bem.

Para ser realmente bom, o homem deve estar em perfeita harmonia com as leis eternas da verdade, da justiça, da honestidade, do amor, da fraternidade, e viver de acordo com esta sua consciência. Todo o fazer bem sem ser bom é ilusório, assim como qualquer transbordamento é impossível sem haver plenitude. O nosso fazer bem vale tanto quanto o nosso ser bom. O ser bom é autoconhecimento e autorrealização.

Auto iniciação é essencialmente uma questão de ser, e não de fazer. Esta plenitude do ser não se realiza pela simples solidão, mas pelo revezamento de introversão e extroversão. O homem deve, periodicamente, fazer a sua entrada dentro de si mesmo, na solidão da meditação, e depois sair para o mundo externo, a fim de testar a força e autenticidade da sua entrada interior para o mundo exterior.

Todo aquele que tem como alvo a auto iniciação deve trabalhar essa entrada e essa saída... nessa implosão mística e nessa explosão ética.

Não há evolução sem resistência. Tudo que é fácil não é garantido; toda evolução ascensional é difícil, exige luta, sofrimento, resistência.

Estagnar é fácil.

Descer é muito fácil.

Subir é difícil.

Toda evolução é uma subida, e sem subida não há iniciação.

Auto iniciação e autorrealização é o alvo supremo do homem.

Um único homem autorrealizado é mais deslumbrante do que todas as outras grandezas do Universo.

Texto revisado e ampliado, extraído do livro Orientando para a Auto-realização

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