Thursday, 19 August 2021

CAPRICHOS SEM VALOR

“O homem sapiente não é afetado pela opinião pública”

 

Certo dia, Jesus ouviu murmúrios e fofocas que vinham de dois grupos de descontentes que provocavam polemicas entre si: os intransigentes e os permissivos. Os intransigentes diziam: “João Batista é um santo de verdade; vive em rigorosa austeridade, alimentando-se de mel silvestre e das vagens da árvore do gafanhoto; mas esse tal profeta de Nazaré é amigo de boas iguarias e de vinhos que embriagam; aceita até banquetes de cobradores de impostos e pecadores”.

Os permissivos, por outro lado, exultavam e diziam: “Esse Jesus, sim, é um santo moderno; come e bebe como nós; vive em plena sociedade; não mora no deserto nem é possesso do mau espírito do confinamento, como esse João”.

Houve então, veemente discussão entre os fariseus intransigentes e os saduceus permissivos sobre a pessoa de Jesus e seu modo de vida.

Jesus, ouvindo essa desavença, respondeu-lhes com uma parábola que tanto tem de hilariante quanto de espirituosa. Disse-lhes: “Como hei de contentar essa gente? São como crianças sentadas em praça pública, formando dois partidos: o dos dançarinos folgazões e o dos que choramingam tristonhos. Uns dizem: Tocamos flauta e não dançastes. Outros se queixavam: Cantamos cânticos tristes - e não chorastes. Veio João, que não comia e nem bebia, e dissestes: Está possesso do demônio! E venho eu, que como e bebo, e dizeis: Eis aí um comilão e bebedor de vinho!”

Não é possível contentar a todos. Quando alguém leva vida austera de contemplação, irrepreensível, descontenta os permissivos; quando leva uma vida normalmente humana, irrita os intransigentes.

E Jesus conclui com umas palavras um tanto enigmáticas: “Entretanto, a sabedoria é justificada por seus filhos”. Outro evangelista diz: “A sabedoria é justificada por suas obras”. De que a sabedoria se justifica pelas provas incontestáveis da verdade que representa.

Por que esta divergência de opiniões?

É porque todo o modo de pensar dos profanos, dos intelectualistas analíticos, é como linhas divergentes, que não se encontram, ao passo que a intuição espiritual dos sábios se assemelha a linhas paralelas, que, segundo a geometria, se encontram somente no infinito. Quando o sábio intui a Verdade e age seguindo sua intuição, raras vezes é compreendido pelos eruditos intelectualistas, porque estes operam em outra dimensão. A zero-dimensão do sábio não pode ser compreendida pelos analíticos, que vivem na segunda ou terceira dimensão do profano. O ego tirânico é invariavelmente tridimensional; age em obediência à sua natureza físico-mental-emocional; age segundo as categorias de tempo-espaço-causalidade. O ego é como um prisma, que dispersa a luz incolor da Verdade na faixa multicolor das facticidades, que não harmonizam umas com as outras; o verde não aprova o vermelho, o azul não se concilia com o amarelo. A luz incolor da Verdade não briga com as cores, mas estas brigam entre si. Ou, na frase genial da Bhagavad Gita: “O ego é o pior inimigo do Eu, mas o Eu é o melhor amigo do ego”.

A sabedoria da Verdade não luta com a erudição das ilusões - mas essas lutam com aquela e lutam entre si.

O tolo não compreende o sábio - mas o sábio compreende o tolo.

Os egos insipientes discordam do Eu sapiente - mas o Eu sapiente compreende os egos insipientes.

O homem profano gosta de comer e beber bem, e abusa dos prazeres da vida.

O homem místico recusa estas satisfações e só vive em Deus.

O homem cósmico, porém, não abusa, como o profano, nem recusa, como o místico; mas usa simplesmente os bens da vida, porque os considera como meios, mas nunca como fins em si mesmos. Quem abusa, considera os bens da vida como fim supremo. Quem recusa, não os considera nem como fim nem como meio. Quem usa os bens da vida não os considera como um fim, mas sim como meios para conseguir um fim superior.

Evidentemente, Jesus não era um místico, ao menos nos três anos da sua vida pública; muito menos ainda, um profano; mas era um homem cósmico. Não abusava, nem recusava, mas usava sabiamente os bens oferecidos pelo Pai.

E por esta razão não era compreendido nem pelos profanos nem pelos supostos místicos do seu tempo.

Texto revisado extraído do livro Sabedoria das Parábolas 

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