Monday 28 December 2020

A PÉROLA PRECIOSA

Parábolas são histórias, contos simples, e seu objetivo é transmitir um ensino da forma mais compreensível e fácil de lembrar. É uma sutil narrativa alegórica e metafórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia e que serve de lição ética indireta ou simbólica.

Uma vez, orando fervorosamente defronte a um crucifixo na velha capela abandonada de São Damião, na cidade italiana de Assis, Francisco ouviu a exortação de Jesus: “Francisco, não vês que a minha casa está em ruínas? Restaura-a para mim!”

Em sua humildade e inocência, aquele grande espírito pensou que Jesus se referia à capela abandonada onde ele estava a orar e, de pronto, com suas próprias mãos, começou a restaurá-la. Na verdade, Jesus se referia ao Cristianismo como instituição, e que foi convertida posteriormente a uma sociedade política, militar e financeira, tendo abandonado por completo os ensinamentos originais pregados por ele. Ao longo dos anos seguintes, até o fim de sua vida, Francisco se engajou de corpo e alma na tarefa de trazer o Cristianismo de volta ao rumo original.

Da mesma forma em que Francisco entendia equivocado o pedido, as parábolas, enquanto figuras de estilo de linguagem, dominavam o universo das mensagens de Jesus e que envolveram o imaginário dos apóstolos, mas muitas vezes não eram compreendidas.

“O Reino dos Céus é semelhante a um negociante que procurava pérolas preciosas: descobriu uma pérola de grande valor, foi vender tudo o que possuía e a comprou”.

O texto abaixo é a interpretação que Rohden oferece à essa mensagem.

 

“As pérolas verdadeiras crescem no interior de certas conchas de moluscos, que vivem nos mares tropicais. A pérola é uma secreção solidificada do corpo gelatinoso do molusco. O interessante é que se não houver nenhuma lesão no corpo do molusco, a pérola não se forma. Havendo a lesão e enquanto a pérola está encerrada na concha, não manifesta o seu maravilhoso brilho; somente quando exposta à luz solar é que revela o seu esplendor, que é o reflexo dos raios luminosos. Estes raios são de luz branca, ou melhor, incolor. A pérola, porém, reflete todas as cores do arco-íris, em diversas tonalidades opalescentes, devido à consistência peculiar da sua superfície iridescente.

A pérola se forma dentro da concha escura, mas a sua beleza só se revela à luz solar. E não é isto que se dá com o Reino dos Céus? Tem a sua matriz nas profundezas da alma humana, e não na superfície da vida externa; mas o seu esplendor só se revela plenamente na luz da vida diária.

E isto faz lembrar as palavras de Jesus, sobre “a luz debaixo do candeeiro” e, “a luz no candelabro”. A pérola da experiência mística se revela na vivencia ética; o Ser invisível se manifesta no agir visível, pois a luz tem que ser revelada, e não permanecer oculta.

As palavras de Mahatma Gandhi sobre a “verdade que é dura como diamante e delicada como flor de pessegueiro,” bem poderiam lembrar a dureza da pérola e sua beleza.

Para descobrir uma dessas pérolas preciosas, o homem deve mergulhar em escuras e perigosas profundezas - e não é que o homem só encontra o Reino dos Céus em misteriosas profundezas? Quem nunca abandonou as cômodas superfícies do seu ego tirânico e mergulhou nas desconhecidas regiões do seu Eu divino; quem nunca abandonou as praias e os litorais de uma vida fácil e se aventurou ao alto-mar da Divindade, nada sabe da pérola preciosa da sua alma.

E não é mesmo estranho que a pérola só se forme depois que o molusco sofreu um ferimento? E quando foi que um homem encontrou a pérola do Reino dos Céus sem ter passado por uma experiência dolorosa? O próprio Jesus não pôde entrar em sua glória sem passar pelo sofrimento e pela morte! Enquanto o homem não sofrer, ele se identifica apenas com o seu ego humano; mas quando submetido a um grande sofrimento, verifica a diferença entre o seu ego humano e o seu Eu divino. O autoconhecimento, base da auto-realização, dificilmente acontece a um homem que não tenha passado por experiências dolorosas. A ilusória identificação do homem com o seu ego profano e o descobrimento da verdadeira diferença de caráter do seu Eu divino, é, quase sempre provocada por um sofrimento, sobretudo metafísico. “Duro te é se revoltar contra o que te causa sofrimento,” dizia a voz misteriosa que Saulo de Tarso ouviu quando tombou às portas de Damasco, “e eu lhe mostrarei quanto terá de sofrer por meu nome.”

E Paulo chega ao ponto de afirmar que “sem derramamento de sangue não há redenção”, isto é, sem sofrimento próprio não há auto-realização.

A pérola do Reino dos Céus só começa a nascer depois que o homem foi ferido no seu egoísmo humano.

Diz a parábola que o homem, depois de encontrar essa pérola preciosa, foi vender tudo o que tinha a fim de adquiri-la. “Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu discípulo.” “Quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus.”

Parece que há uma eterna incompatibilidade entre o ter e o Ser, como entre treva e luz, quantidade e qualidade. Antes de atingir a qualidade do seu Ser, o homem corre atrás das quantidades materiais, da posse, muitas vezes desnecessárias, por pura ganância. E nos tempos atuais, até uma nova igreja se constituiu, a do culto à ganância!

Mas, depois de descobrir o seu Ser qualitativo, o homem se torna indiferente à suas posses. E, quando as circunstâncias o obrigam a possuir certos objetos externos, os possui com estranha leveza e serenidade; não se fanatiza por eles, nem jamais é possuído por aquilo que possui. O homem profano não possui as suas posses; é possuído e possesso por elas.

Quem possui a pérola preciosa do Reino dos Céus, se despossui com alegria de todas as antigas posses, porque o novo possuir o tornou imensamente feliz. Para ele, nada mais valem as mais cobiçadas proezas materiais dos profanos, depois que se apoderou da Realidade do iniciado.

Quem adquiriu a posse da pérola preciosa do Reino dos Céus, esquece-se de todos os sacrifícios que fez para adquiri-la. Todos os caminhos estreitos e todas as portas apertadas desapareceram em face do jugo suave e do peso leve de uma felicidade sem limites.”

Texto revisado e extraído em parte do livro Sabedoria das Parábolas

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