Em princípios de 1925, por sugestão de seus superiores eclesiásticos, Rohden partiu para a sua primeira viagem à Europa afim de se aprimorar nos estudos em Filosofia e Teologia, aliás, um sonho alimentado há anos e que foi com íntima satisfação que ele recebeu aquela oportunidade.
O relato abaixo é de um incidente ocorrido durante a travessia do oceano Atlântico, e que veio colocar seu pensamento na questão da fé, um sentimento que age como um vetor, uma ponte de ligação entre o desejo na realização de algo ou de um ideal, e a materialização desse sentimento.
Diz Blaise Pascal que: “a fé é diferente da prova; a prova é de interesse humano, mas a fé é um dom de Deus. Na fé há luz suficiente para aqueles que querem acreditar na fé e sobra suficiente para cegar os que não tem fé.”
“Minha experiência de vida veio a confirmar que um pensamento ou desejo longamente alimentado no subconsciente e firmemente acreditado acaba, cedo ou tarde, por se tornar realidade concreta no plano objetivo. Desce, por assim dizer, das alturas do mundo puramente ideal para o plano do mundo real. Real? Não! Antes de se concretizar em forma materialmente palpável, aquilo já é real, universalmente e idealmente real, mas nessa forma de realidade pré-material não é perceptível por nossos primitivos órgãos dos sentidos. É um erro identificar o perceptível com o real, como fazem a escola empírica e o materialismo em geral. Se o ideal não fosse real antes de se materializar, nunca passaria a ser real. Não há transição do irreal para o real; há tão somente vários estágios do real, o seu estado amorfo ou universal, e o seu estado materializado ou individual.
Ora, acreditar no vasto poder do subconsciente, na realidade de uma coisa, é obrigar essa coisa a descer do nível ideal para o nível material. “Tudo é possível àquele que tem fé,” dizia o maior dos realistas...”
E segue Rohden descrevendo parte de sua viagem e em particular um incidente durante a travessia pelo Golfo de Biscaia, que mostra onde a fé se materializa.
“O navio em que viajávamos teve que enfrentar no Golfo de Biscaia, uma tempestade que zomba de toda descrição e que, por um triz, no entender dos passageiros, quase afundou nosso navio. Logo ao clarear o dia, percebemos que as 16.000 toneladas do nosso vapor alemão “Wesser” encurvava doidamente sobre movediças montanhas d'água, ou desciam, emitindo um ruído de gargarejo, a enormes vales líquidos, ora empinando a quilha às nuvens, ora erguendo hélices e leme fora d'água e sacudindo ruidosamente aquele monstro de ferro, feito ridícula casquinha de noz, à mercê dos elementos em fúria. Os uivos sinistros da tempestade, o selvagem bramido das vagas brancas, o agudo sibilar da ventania através de mastros e cordames, os roncos cavernosos das chaminés, o lúgubre ranger das máquinas do porão com pressão máxima - tudo isto convertia num inferno macabro a nossa ilha flutuante.
Como são frágeis, em face das potências da Natureza, as mais possantes obras da técnica humana.
Desde pequeno, sempre gostei de tempestades, de chuvas torrenciais, de relâmpagos e trovões ... Algo grandioso despertava dentro de mim, no meio das grandiosidades da Natureza ... Que estranha afinidade haveria entre o microcosmo do meu Eu humano e o macrocosmo desse estupendo universo? ... “Gefaehrlich leben” (viver perigosamente), disse Nietzsche, é a mais fascinante essência da vida humana, o inebriante elixir duma existência intensamente vivida ...
Para melhor apreciar o grandioso espetáculo, consegui subir até a ponte de comando – sem antes ser apanhado por um jorro de água salgada, que me derrubou ao interior da cabine do piloto, defendida por maciças paredes de vidro.
No meio da quase geral deserção dos passageiros, que se refugiavam nas cabines, encontrei no convés um garotinho de 5 a 6 anos, a contemplar tranquilamente a tormenta e cantarolando em voz baixa, uma canção; de vez em quando dirigia gracejos ao mar, como se o mar fosse um gatinho travesso, e lhe perguntei se não tinha medo dessa enorme barulheira.
“Nein” - respondeu em tom marcial – “Papa ist am Steuer” - não, papai está no leme.
Ele era filho do primeiro piloto!
Me pareceu que essa criança, calma e tranquila no meio da tormenta, fosse a personificação da fé e confiança do homem que, por entre as tempestades da vida, confia integralmente na Providência de Deus. Para essa criança, o pai era onipotente; ventos e mares bravios nada podiam contra ele; ao lado do pai, ele se sentia perfeitamente seguro; podia até cantar, despreocupado, e desafiar os elementos adversos. “Papai está no leme,” era para esse menino a mais completa profissão de fé em um poder invencível. “Homens de pouca fé,” foi a mais frequente censura que Jesus fez a seus discípulos. A fé é o caminho para todas as grandezas, enquanto a falta de fé é o caminho para todas as falências.
A fé verdadeira é uma experiência íntima, um compreender e saber intuitivo, uma invasão ou eclosão do mundo divino no homem, como uma linha vertical que vem de alturas desconhecidas e vai a misteriosas profundidades; a fé é um contato direto entre Deus e o homem, por mais inexplicável que seja esse contato. Tudo que é anterior a essa fé é, por assim dizer, horizontal, humano. Nesse nível preliminar é o homem que age e produz; mas, quando essa misteriosa linha vertical corta a horizontal, é Deus que age e produz, suposto que o homem se tenha tornado receptivo para essa invasão do mundo divino.
Muitas vezes, a ingênua sabedoria dos simples é maior que a orgulhosa ciência dos eruditos! O sábio sabe que nada sabe - o ignorante ignora a sua própria ignorância ... Sempre é preferível saber da sua falta de conhecimento, do que ignorar a sua ignorância ... Nunca aprendemos melhor do que quando estamos convencidos de que o nosso saber é apenas uma gota d’água no oceano de nossa ignorância ...”
Texto revisado e em parte extraído do livro Por Um Ideal, volume I
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