Thursday 3 December 2020

O HOMEM CÓSMICO

No ponto mais alto de sua experiência cósmica, o homem vive a suprema Realidade do Universo, em toda a sua plenitude e integridade; vive o Creador e toda a creação numa sintonia com a diversidade; percebendo assim a extinção de sua individualidade, esse estado transcendente no qual não existe mais o sofrimento, distante do jogo das ilusões temporárias da vida profana.

E, por isto, o homem cósmico pode amar sinceramente todas as existências finitas na Essência Infinita, porque percebe o Creador em todas as creaturas.

aversão do mundo que o místico experimenta, culminou na conversão ao mundo vivida pelo homem cósmico. Após o penúltimo estágio evolutivo, que é a fuga do mundo, o homem cósmico atinge o último estágio evolutivo, que é a convivência com o mundo - não mais a convivência do profano, que é a derrota, mas a convivência do iniciado, que é a vitória, pois o estágio antepenúltimo do profano escravo, e o penúltimo do desertor místico, fundiram-se na última etapa do vencedor cósmico.

Assim, esse homem cósmico enxerga a sacralidade do Infinito em todas as profanidades finitas, e com isso, todas as profanidades do passado são sacralizadas pelo conhecimento da Verdade Libertadora, a Verdade de que o Infinito está em todos os finitos, e vice-versa.

A fim de chegar a essa visão de transparência cósmica, enxergando o Infinito em todos os finitos, o homem deve contemplar primeiro a Luz do Infinito em si mesmo, isoladamente, longe das coisas opacas do mundo dos finitos; só depois de se identificar totalmente com essa Luz, isolada, transcendente, e viver intensamente essa experiência mística, é que o homem pode ver essa Luz, como imanente em todas as coisas do mundo objetivo e profano - a opacidade de ontem se converteu na transparência de hoje.

Somente o homem habituado a ser solitário com Deus pode ser solidário com o mundo - a solidão com o Deus do mundo lhe dá a necessária invulnerabilidade para poder ser solidário com o mundo de Deus. O homem meramente social e sociável, que nada sabe da feliz solidão mística, a sós com Deus, não pode ser solidário com o mundo sem renunciar da solidão com Deus.

Essa solidão em Deus deve ter se tornado no homem, uma segunda natureza, um lar, um paraíso, em que ele poderia habitar eternamente.

Mas ... essa intensa verticalidade da solidão, pede por uma vasta horizontalidade de ação. Meditação e contemplação devem se manifestar em ação. O homem de genuína meditação e contemplação é de irresistível ação e atividade.

Do homem que algo espera do mundo nada pode o mundo esperar. Só o homem liberto do mundo pela experiência da Verdade, pode afirmar sem perigo e amar sinceramente todas as coisas do mundo, porque deixou de ser escravo e se tornou senhor do mundo.

Diz Albert Schweitzer: "O Cristianismo é uma afirmação do mundo, que passou pela negação do mundo."

Gandhi: "Homem! Renuncia ao mundo, entrega-o a Deus! E depois recebe-o de volta, purificado, das mãos de Deus!"  

Jesus: "Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu discípulo ... Quem perder a sua vida, a ganhará; mas quem quiser salvar a sua vida, a perderá."  

Paulo de Tarso: "Eu morro todos os dias, e é por isto que vivo - mas já não sou eu que vivo, o Cristo vive em mim."

Esse é portanto, o estranho paradoxo da Verdade Integral: Quem nunca negou internamente o mundo profano não pode sem perigo, certificar o mundo; a aversão do mundo pela negação deve preceder à conversão ao mundo pela afirmação desse mundo - isto é libertação, equidistante da escravidão do profano e da deserção do místico.

Com isto, não se pode negar que a deserção mística seja melhor que a escravidão profana; pelo contrário, a deserção mística é um meio necessário para conseguir a libertação final. Todos os mestres espirituais insistem na necessidade da negação pela mística para que o homem possa conseguir a libertação total pela afirmação da Verdade.

Todas as coisas do mundo objetivo iludem e escravizam o homem que não tenha experimentado a Verdade do seu mundo interior; só depois desse encontro real com a Verdade do seu Eu Divino, é que as coisas do ego humano podem ser aceitas sem perigo - e até como auxiliares para a auto-realização - porque, depois dessa experiência da Verdade, a alegria do passado (ou a pseudo alegria do profano), se converteu na imunidade de agora, da aceitação normal e natural da verdadeira Realidade. Só então, essa vivência no mundo, sem estar no mundo, podem ser saboreadas em todas as suas formas de ilusão, sem perigo, sem remorsos e sem vacilações.

Na sua mais profunda intuição, mesmo inconsciente, o homem profano está convencido de que nenhum ser do mundo de Deus é mau em si, contrário ao Deus do mundo, pois uma voz interna lhe diz que todos os finitos existem em virtude do Infinito; que o eterno Transcendente é Imanente em todas as coisas temporárias; que o temporário é apenas uma manifestação parcial e transitória da Realidade integral e eterna.

E esse voltar à intuição inconsciente da voz interior, pode se tornar consciente e crístico para todas as coisas do mundo de Deus, e é neste sentido que Tertuliano afirma que a alma humana é crística por sua própria natureza.

O homem, embora pareça ser um exilado no planeta Terra, sabe no seu íntimo que pode encontrar aqui, um lar temporário, que não está necessariamente em conflito com o lar eterno, mas que pode ser um prelúdio compatível com a vida numa existência mais favorável; ele quer poder se certificar da existência terrestre sem amargura, sem remorsos, sem nenhum senso de culpa. Sabe que é ele, e só ele, que pode e deve libertar a sua natureza, da corruptibilidade, que até o momento, geme e sofre dores de parto, ansiando pela gloriosa liberdade dos filhos de Deus, que receberam os "primeiros gozos do espírito".

Mas, enquanto as coisas do mundo lhe são opacas, simples objetos profanos, o homem não pode repousar sem inquietação interior, sem uma futura conversão; só quando ele vê em todas as coisas externas outras tantas formas e existências finitas da Realidade Infinita; é que ele pode reconciliar-se, definitivamente, com o mundo dos finitos sem renunciar o Infinito.

É quando então, o homem ingressa na grande Família Cósmica, que é a vivência num reino em toda a sua Integridade e Plenitude.

Quando a vivência profana se converte na visão mística, e quando a visão mística culmina na experiência cósmica, é quando o Verbo se faz carne e habita no homem cheio de graça e de Verdade; e então, o homem que vive as diversidades do mundo profano se une ao homem unitário da solidão mística - e dessa união nasce a prole do homem cósmico, o homem crístico, a Luz do mundo.

Trecho revisado, extraído do livro Roteiro Cósmico

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