O maior triunfo do ego tirânico consiste em hastear a bandeira do Eu sobre o quartel-general das suas manobras egoístas. O primeiro passo do Eu consiste em reconhecer e desmascarar essas manobras como sendo do ego, sob o nome do Eu.
A imunização do Eu diante do ego só é possível numa luta constante e leal com esse ego e todas as suas hostes. Fora desse campo de batalha pode haver fuga, deserção, escapismo, mas não verdadeira vitória e paz definitiva.
Enquanto o homem ainda estiver contaminado pelos mandos, desmandos e indisciplinas do ego, não está definitivamente liberto e imune. Só quando ele adquirir a invulnerabilidade da luz, que pode penetrar em todas as impurezas sem se tornar impura, conquistando a libertação e triunfo definitivos.
Só o homem que alcançou a experiência da sua verdadeira natureza, da sua essencial identidade com o Infinito – “eu e o Pai somos um” - é invulnerável. Não se identifica como escravo do mundo do ego, nem deserta como medroso desse mundo, mas vive no meio desse mundo e o transforma silenciosamente pelo poder do seu Eu espiritual.
O problema não é, pois, nem conformismo e nem escapismo, mas transformismo, transformação de todas as coisas do ego pelo poder divino do Eu.
E a arma secreta que garante a vitória é o conhecimento experimental da verdade sobre o homem central e real do Eu crístico, do “espírito de Deus que habita no homem”.
--- “Eu sou livre de tudo que sei - eu sou escravo de tudo que ignoro.”
Eu sei que não sou os objetos que me rodeiam e que tenho; sei que também não sou o meu ego físico, mental e emocional, que pareço ser - se eu sei tudo isto, sou livre de todas essas ilusões tradicionais do ser humano. A “pobreza pelo espírito” me liberta da identificação com os objetos externos; a “pureza de coração” me liberta da identificação com o meu objeto interno, o ego. Eu não sou nenhum dos objetos, externos ou internos, que tenho - eu sou o sujeito interno do meu divino Ser, do meu eterno EU SOU.
O homem liberto não é como certos orientais que desertam do mundo; nem é como certos ocidentais que se escravizam pelo mundo - ele é o homem universal, o homem cósmico, que está além da escravidão ocidental e da deserção oriental – ele habita na zona da libertação universal e pode lidar com todas as coisas do mundo: comércio, indústria, política, ciência, arte, técnica - pode abraçar qualquer profissão honesta, sem se identificar interiormente com nenhuma delas, com objeto algum. Ele pode ter qualquer objeto - mas não pode ser nenhum deles. Não é escravo nem desertor de coisa alguma - é vitorioso por tudo quanto possui, sem ser possuído por nada.
O propósito de toda a verdadeira filosofia é realizar o homem integral, o homem liberto tanto da escravidão dos objetos como também do temor desses objetos. Escravidão e temor revelam falta de libertação. Onde há libertação não há escravidão nem temor de coisa alguma, porque o homem liberto é senhor de tudo, pela onipotência do seu Eu divino plenamente reconhecido e realizado, pois de acordo com Paulo de Tarso – “onde reina a liberdade aí reina o espírito de Deus”.
Esta visão cosmorâmica confere ao homem a mais sublime experiência da sua verdadeira grandeza, porque esse homem sabe e sente que não está sujeito irremediavelmente à lei escravizante da causalidade mecânica que aparentemente rege a natureza infra-humana; sabe e saboreia a força libertadora da sua interna autodeterminação.
A natureza infra-humana não se sente escravizada; o que é inconsciente nos é inexistente, e com o advento do homem, a natureza ingressou na zona do consciente – e com isso o fato objetivo da escravidão passou a ser um problema subjetivo de escravização – seguido do esforço de libertação.
A natureza vive em uma escravidão inconsciente. O homem-ego intelectual vive numa escravidão consciente. O homem-Eu racional vive numa liberdade consciente.
Tanto o ego como o Eu não são, em última análise, duas entidades dentro do homem, mas que é a mesma e única realidade humana em dois estágios evolutivos diferentes. O ego é potencialmente o Eu - e o Eu é o ego plenamente dinamizado e realizado. Assim como a semente de qualquer planta é a própria planta em estado potencial, e a planta é a semente em forma dinâmica - assim também é o homem-ego, o homem-Eu, seja em forma embrionária e imperfeita, seja em forma adulta e perfeita. Não só o Cristo, o homem perfeito, é a “luz do mundo,” mas também os outros homens são a “luz do mundo,” embora em estado muito primitivo e imperfeito. No Cristo e em nós está o mesmo Pai - consciente ou inconscientemente.
Esta é a filosofia cósmica de todos os grandes mestres - sobretudo da Bhagavad Gita e do Evangelho - que o homem escravizado pelo seu ego ilusório, deve descobrir o seu Eu libertador a fim de gozar a verdadeira felicidade que está dentro do homem. Os grandes mestres supõem que o reino da verdade e da felicidade possa e deva ser realizado aqui e agora, e não em outro lugar e mais tarde. Eles não ensinam substituição nem justaposição, mas completa interpenetração orgânica de todos os elementos do homem, em perfeita harmonia. Não afirmam que o ego deva triunfar aqui e agora, e que o Eu deva gozar a felicidade depois da morte e em regiões longínquas - ensinam que o ego pode e deve adquirir sua plena maturidade na forma do Eu, aqui e agora.
Filosofia é, pois, essencialmente um autoconhecimento e uma auto-realização.
O homem deve conhecer a verdade sobre si mesmo - e deve realizar, na sua vida individual e social, essa verdade conhecida.
É isto, e só isto que o liberta da escravidão da sua ignorância.
A escravidão é temporária - a libertação é permanente.
Texto revisado, e em parte extraído do livro Setas na Encruzilhada
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