Thursday 17 December 2020

O MISTÉRIO DO AMOR INTEGRAL

Uma vez que Jesus centraliza todo o problema da realização do homem no Amor Integral — alma, mente, coração e forças do corpo — do viver a mística do primeiro mandamento com a prática da ética do segundo, surge a pergunta: Como pode o homem realizar em si esse amor integral que abrange a natureza total do homem?

Muitas pessoas devotas pensam e afirmam que amam a Deus deste modo, e os livros de oração falam a cada momento desse amor.

Entretanto, será possível que alguém ame realmente algo ou alguém? Pode o homem amar realmente um objeto, uma pessoa ou uma entidade estranha a ele mesmo? Ou esse “amor” não passa de uma atração apenas?

Uma investigação mais profunda diz que isso é impossível, uma vez que amor é uma autoafirmação, para não dizer amor-próprio, que muitos confundem com egoísmo.

Os livros sacros têm razão em dizer que “Deus ama a si mesmo com Infinito amor.” E, se Deus ama as suas creaturas, como afirmam os livros sacros, só as ama porque elas são essencialmente idênticas a ele mesmo, embora existencialmente diferentes dele, e se não houvesse entre o Creador e a creatura uma identidade essencial, a despeito de todas as diferenças existenciais, seria absolutamente impossível que o Creador amasse as suas creaturas, porque o amor é autoafirmação, e não uma afirmação externa.

amar ao seu semelhante está baseado no amor-próprio, o amor ao semelhante se consolida ou se estabelece no amor com que o Creador se sustenta a si mesmo. Se Deus não se amasse a si mesmo, não poderia amar as suas creaturas, que são manifestações finitas da Essência Infinita.

Autoafirmação ou amor-próprio não é egoísmo, é santidade, é afirmação da mais alta realidade metafísica e da natureza do ser da Divindade. Amor-próprio só seria egoísmo, se o Divino Amante excluísse do seu amor as creaturas amadas. Mas, neste caso as creaturas não existiriam; o amor de Deus é que as faz existirem por transbordamento do seu próprio auto amor. Egoísmo é um amor-próprio exclusivista, mas, quando o amor-próprio é abrangente, ele é verdade e santidade. Por isto, devemos amar o próximo como a nós mesmos.

Não se pode conceber um Deus não-Creador, um Deus de pura identidade isolada e estéril, sem que existam as outras creaturas, um Deus auto amante sem as creaturas amadas por Ele.

Todas as creaturas amadas se consolidam e convergem no Creador auto amante; todos os seres finitos estão focalizados na Essência Infinita.

Da Essência Infinita tudo vem.

Na Essência Infinita tudo está.

Para a Essência Infinita tudo volta.

A Causa Divina produz todos os efeitos, e todos os efeitos finitos caminham na direção da Causa Infinita. Existencialmente, as creaturas parecem estar fora do Creador — essencialmente elas estão sempre dentro dele.

Nenhuma creatura deve ser amada por causa da sua existência, mas somente por ser uma projeção da Divindade. O homem que tenta amar seu semelhante como a si mesmo sem amar a Deus, que não ama seu semelhante via Deus, ama seu semelhante erroneamente. Nenhuma creatura deve ser amada de creatura a creatura, mas de creatura a creatura via Creador. O amor humano, pode ser altruísmo ou moralismo, mas não é verdadeira ética metafísica e mística, como é o amor através de Deus.

Jesus exigia que o homem amasse a Deus com toda a sua alma, com toda a sua mente, com todo o seu coração e com todas as forças de seu corpo. E só pode amar a Deus deste modo quem já sentiu experimentalmente que há entre o homem e Deus uma identidade essencial; que a creatura não é uma nova realidade separada da Realidade Deus, mas é uma manifestação emanada da única e absoluta Realidade Divina.

O Amor Integral supõe uma experiência ou vivência íntima da unidade e identidade creatura-Creador. O homem deve se exercitar para poder sentir e alcançar a unidade entre ele e Deus, uma unidade essencial no meio de todas as diversidades existenciais. Deve pelo menos vislumbrar e sentir que “Eu e o Pai somos um.” Sem essa experiência fundamental, mais sentida e saboreada do que propriamente pensada e sabida, não é possível amar a Deus integralmente, como exige o primeiro e maior de todos os mandamentos. A experiência metafísica-mística de que “Eu e o Pai somos um,” a vivência dessa identidade Eu-Deus, Creatura-Creador, Finito-Infinito, é a base indispensável para a vivência de que Jesus fala.

Essa mensagem se consolida ou se estabelece na mais profunda e mais alta metafísica da natureza do ser que se pode conceber, ou imaginar. Quem nunca entrou nessa dimensão de consciência, jamais compreenderá o Evangelho.

A entrada nessa suprema dimensão de consciência exige uma prolongada solidão e um profundo silêncio, silêncio-presença, silêncio-plenitude, e esta é a única razão por que todos os verdadeiros iniciados viviam e vivem longos períodos de solidão e silêncio.

Este é o mistério do Amor Integral radicado na experiência anônima e silenciosa da unidade central em todas as diversidades periféricas, e foi por isso que Jesus disse:  “Amarás o senhor teu Deus ... amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

O ponto de referência tanto do amor vertical da mística divina como do amor horizontal da ética humana é invariavelmente Deus, o Deus em mim, o meu Deus, o Pai em mim. Sem esse ponto de referência, do Eu-divino no homem, não há nem o primeiro nem o segundo mandamento, nem a mística divina, nem a ética humana.

A base de tudo isto, “em que consistem toda a lei e os profetas,” é a visão da unidade e identidade entre o homem e Deus, entre o finito e o Infinito.

Toda a grandeza de Jesus consiste em ter atingido as alturas desta visão da essencial identidade entre si e a Divindade. Por isso a sua mensagem ultrapassa infinitamente todos os altruísmos e moralismos, todos as virtuosidades e piedades, e culmina na mais excelsa metafísica da natureza do ser, da Unidade em todas as Diversidades, da Absoluta Essência em todas as Existências Relativas.

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Considerando que a grande maioria dos seres humanos vive seus amores efêmeros, da afinidade dos egos, baseados na exploração de seu semelhante, da forma egoísta com que se relaciona, inclusive consigo mesmo, da tragédia das circunstâncias externas que os escravizam, e de todas as outras mesquinharias humanas que contribuem para desviar o real objetivo que está cristalizado, mas dormente na alma, de serem crísticos por suas próprias naturezas. Há homens que se dedicam com extremo amor a Deus e a seus semelhantes, em afinidade espiritual, e são justamente esses que deixam o exemplo de como viver a mística do primeiro mandamento na prática da ética do segundo, porque eles enxergam em si mesmos e em seus semelhantes, o espelho da Divindade.

Texto revisado e em parte extraído do livro O Drama Milenar do CRISTO e do ANTI-CRISTO 

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