Wednesday 16 December 2020

DOIS SAPOS

Era uma vez um sapo que vivia num poço. Nasceu alí, viveu alí e nunca saiu dessa pequena habitação.

O seu ambiente era de um metro e meio de largura e de pouca profundidade.

Para além da borda do poço – nada mais existia para ele...

Certo dia, apareceu um sapo de outras regiões...

Vinha de longe, de muito longe – das praias do mar...

Meio aturdido, o sapo sentiu o seu espaço vital sendo invadido pelo estranho.

Mas, como o estranho era maior e mais forte, o sapo resolveu não brigar, ficou observando e se limitando à defesa passiva...

Depois de três dias de absoluto silêncio entre os dois, o sapo que se sentiu invadido, comecou a falar:

–-- Donde vens, estranho invasor?

–-- Das praias do mar, desconhecido ermitão.

–-- Que coisa é o mar?

–-- O mar?... O mar é uma grande planície d’água.

–-- Tão grande como esta pedra onde descanso minhas pernas?

–-- Muito maior.

–-- Tão grande como esta água que reflete o meu corpo?

–-- Maior, muitíssimo maior.

–-- Tão grande como este poço, minha casa.

–-- Imenso! Milhões de poços destes caberiam no mar que eu vi. O mar é tão grande que sempre começa lá onde acaba. É tão grande que todo o céu cabe nele, e ainda sobra mar. Todos os sapos do mundo, pulando a vida inteira, não chegariam ao outro lado... E foi exatamente nas margens desse mar que eu nascí.

–-- Safa-te daqui, mentiroso! Exclamou o ofendido residente do poço. Coisa maior não pode haver! Mais água que este poço tem, é mentira!...

Desde então viviam os dois em pé de guerra.

A estória não diz se algum deles venceu nessa luta feroz... Nem diz se um deles conseguiu convencer o outro da verdade das suas idéias...

Consta apenas que, desde esse tempo, vivem no mundo seres que só creem em si mesmos...

Seres que sabem tudo o que os outros ignoram...

Seres que dão o rótulo de loucos aos que afirmam o que eles não compreendem...

Seres de tão vasto saber que consideram tolice, o aprender...

Não fales, meu amigo, em mares – a quem mares não viu!

Deixa viver no poço – quem no poço nasceu!

Ambiente de metro e meio, água de pouca profundidade, uma pedra para descansar - que mais quer um sapo que vive num poço?

Deixa ao ignorante a sua feliz ignorância!

Não fales em mares a quem para um poço nasceu!

Cada qual com seu igual, pois contra a estupidez os próprios deuses lutam em vão...

Texto revisado extraído do livro De Alma Para Alma 

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