No mais alto plano da mística, que é o estado de contemplação, o homem transcende todas as outras etapas inferiores, os símbolos, e até o próprio silêncio, porque ele é substituído pelas revelações da Divindade. É verdade que estas revelações também são silenciosas, mas de um silêncio ativo e dinâmico, o silêncio da plenitude, e não da vacuidade.
A contemplação é a forma mais alta do saber, porque nela o homem ultrapassa os invólucros externos do mundo físico-mental, e se apodera da realidade interna. Só o homem contemplativo “sabe” e “compreende” o que é a realidade; os outros apenas entendem, querem ou creem.
Na base de toda a intuição artística há algo dessa contemplação, que no verdadeiro místico atinge a sua culminância. Essa intuição é o resultado do reflexo do artista em suas obras. Por exemplo, das figuras humanas em estado de sublimação, beatitude, esculpidas ou pintadas pelos grandes mestres, com seus olhos ora fixos ou semi cerrados apontando o firmamento, em êxtase, em plena comunhão com o Divino, no terceiro céu, numa realidade além do natural estágio de despertamento dos sentidos ou da mente, como mostram as pinturas de Maria Madalena ao pé da cruz, ou de São Pedro, de Guido Reni, ou a escultura de Santa Teresa D’Ávila em êxtase, de Gian Lorenzo Bernini.
O verdadeiro místico é o sábio por excelência. A contemplação é o impacto da vida universal sobre o homem integral. As outras formas de conhecimento atingem apenas uma face, um aspecto do homem, mas a contemplação atinge o homem em sua totalidade.
A Verdade, a Bondade e a Beleza fundem-se então, numa só unidade satisfazendo o homem de indizível felicidade.
Na contemplação, se dá a expansão máxima da consciência; o homem, no auge de sua individualidade, atinge o máximo de universalidade, vive no Deus do mundo, e por isso vive em todos os mundos de Deus. A contemplação mística é a única possibilidade de uma ética universal, porque o amor, na sua intensidade máxima, produz necessariamente a benevolência na sua amplitude universal. A grande vertical mística revela-se na vasta horizontal da ética. E isso é redenção. O homem contemplativo está na presença do TODO; por isso todas as profanidades aparecem aureoladas de sacralidade. A multiplicidade desconexa das coisas do mundo converge na fascinante unidade da sua origem e do seu centro, e isso é redenção completa e definitiva ...
Esse homem que por dentro é só de Deus e por fora é de todas as creaturas de Deus, percebe em si o pulsar da vida universal - até da vida mineral, vegetal e sensitiva; nele, todas as vidas do Universo são uma única Vida, dispersa em numerosos aspectos. Ele vê a luz incolor para além de todas as cores. Sente-se “em casa” em qualquer sistema solar ou galáxia do cosmos; ele nunca tem a sensação de ser um estranho, um solitário, esteja onde estiver.
Esse homem sabe também que o Universo inteiro lhe pertence e está a seu dispor pois uma vez que esse homem pertence a Deus, e se o Universo é de Deus, tudo pertence também a ele como pertence a Deus, porque “ele e o Pai são um”.
Esse homem foi plenamente remido pela união com a suprema Realidade do Universo - que é também a íntima Realidade do seu próprio Eu.
Ele está no Deus do Universo - e o Universo de Deus, está nele.
Texto revisado e em parte extraído do livro O Espírito da Filosofia Oriental
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