Tuesday 8 December 2020

SOMENTE DIANTE DA VERDADE É QUE O HOMEM É LIVRE

O homem é aparentemente o único ser que na totalidade dos seres da natureza atingiu consciência individual, que pode apontar para si mesmo e dizer a palavra "eu," que se sente diferente diante do Todo Cósmico. Os outros seres da Natureza - mineral, vegetal, não humano - sentem apenas vagamente essa diferença; aparentemente não são "eu," não tem consciência nítida dessa diferença. Mas nesse sentido, convém lembrar que o que o homem conhece é apenas uma gota d’água no oceano de sua ignorância.

Esse senso de que "eu sou distinto," "eu não sou o Cosmos," essa consciência de ser diferente, é privilégio do homem, mas é possível que um dia a ciência e a religião identifiquem outro ser terrestre com a mesma consciência. É provável também que em outras regiões do Universo possa existir seres ainda mais conscientes de sua diferença, diante do Todo Universal; mas aqui na Terra, ainda não se conhece nenhum outro ser que possua essa consciência da sua "não identidade" com o Todo Cósmico. Os outros seres podem até ser "cientes," mas o homem tem a consciência de que ele é outro, diferente do Cosmos. Porém existem homens que são contrários a essa consciência.

O primeiro estágio desse ser consciente de si mesmo, como diferente, como um ser não idêntico com o Todo, produz o senso de separação. Em vez da simples noção "eu sou diferente" do Todo, o homem, no primeiro estágio da sua conscientização, se sente separado, distanciado do Todo; e, não raro, essa diferença se revela como hostilidade, o que é profundamente psicológico. Com a finalidade de reforçar essa consciência de ser diferente, o homem luta com todas as suas forças para não voltar ao seio do Mar Universal e para se manter na superfície como onda individual. Ele luta por afirmar e intensificar a sua incipiente individualidade consciente, que é o maior tesouro que conquistou através de milhões de anos de lenta e progressiva evolução ascensional.

E o homem defende veementemente essa sua grande conquista de ser diferente, de ser individual.

Essa vigilante defesa de sua pretensa e incerta individualidade, como personalidade autônoma, proclama o seu Eu individual, como sendo um ego personal, proclama o Indiviso e Indivisível do indivíduo como sendo divisível, como persona. E esta proclamação da personalidade divisível, é, a grande ilusão, nascida de uma visão unilateral e incompleta da Realidade, pois não pode existir nenhum finito separado do Infinito - assim como não existe nenhuma onda separada do mar.

Em outras palavras, o homem-ego vai ao oposto de seu antigo estado, pré-consciente, de identidade com o Cosmos, e desenvolve em si uma consciência de ser diferente, acósmico e mesmo anti-cósmico; faz da sua diferença acósmica uma hostilidade anti-cósmica, e insatisfeito com a sua diferença Eu, o seu indivíduo, proclama a sua hostilidade ego, a sua persona, a sua máscara. Pois, ainda não consciente da sua individualidade indivisa, vive na falsa embriagues de uma personalidade separada.

Mas o mal não está em que o homem passe por uma evolução, o mal está em que ele pare a meio caminho de sua jornada ascensional, quando nasce o homem-ego, do homem-persona, do homem-pecador, que Moises simbolizou pela "serpente."

O homem-ego é Lúcifer, o porta-luz; não é ainda a "luz do mundo," mas já é a primeira luz matutina, a alvorada; e desse semi-homem luciférico, poderá, um dia, surgir o homem crístico em toda a sua plenitude - suposto que o homem descubra no seu intelectualismo dinâmico, a sua racionalidade potencial.

Esse alvorecer do ego-consciente no homem é que é o "pecado original," a ilusão sobre a sua origem humana. Enquanto o homem-ego não atingir o homem-Eu, ele continua em "pecado original"; somente a luz crística do “indivíduo Eu” em toda a sua plenitude o poderá redimir da sombra luciférica da “persona ego”.

Todas as grandes filosofias e religiões, sobretudo o Evangelho e a Bhagavad Gita, se referem a esse processo evolutivo do homem-ego rumo ao homem-Eu - do "homem adâmico" e do "homem crístico”. A consciência da hostilidade que separa deve culminar na consciência da diferença que une. Quando o homem conseguir viver a realidade cósmica: "Eu e o Pai somos um... o homem estará então remido do seu "pecado original," isto é, abandonou seu ego luciférico e adotou o seu Eu crístico.

O homem-ego vive na ilusão de que o seu ego personal seja a fonte das obras que ele faz; enxerga o canal visível do seu ego, mas não vê a Fonte do Eu, e por isso a sua miopia o leva a considerar os canais do seu ego como sendo a Fonte do seu Eu.

Mais tarde, quando visualizada a Fonte, o homem começa sua evolução ascensional, percebe que existe uma única origem, por onde fluem todas as águas da Fonte através dos canais das creaturas, e se torna consciente de que todos os finitos vêm do Infinito.

No princípio, ele tem a impressão de que a Fonte se acha além dos finitos canais, e começa a "crer" numa Fonte distante e transcendente. Mas aos poucos descobre que essa Fonte distante foi creada pela sua própria imperfeição, pela sua fraqueza visual. No final, o homem faz a estupenda descoberta de que o Infinito não está em um local distante, mas sim dentro de todos os finitos - assim como a substância do mar está em cada uma das ondas.

O homem descobre que o Infinito está permanentemente presente, em todos os finitos, como sendo a essência invisível de todas as existências visíveis.

A partir daí, o homem, em gradativa evolução ascensional, sabe que, embora o Infinito, o Pai, esteja nele e nele faça as obras, o homem, como canal dessa Fonte, é responsável pelos seus atos livres. Se o canal humano fosse apenas um autômato passivo e inconsciente - como no mundo mineral, vegetal, e talvez não humano - o canal não seria responsável pelo conteúdo recebido da Fonte, porque obedeceria à lei da causalidade mecânica; mas o canal do homem livre é responsável pelo caráter que imprime às águas que veicula, uma vez que a causalidade dinâmica do livre-arbítrio, o constitui autor responsável dos seus atos livres.

Se, por um lado, o homem sabe que as obras que ele faz são obras da Fonte, por outro lado tem a consciência da sua responsabilidade humana. A nítida consciência que ele tem da pureza das águas vivas recebidas da Fonte Infinita gera nele o anseio de manter altamente puros os canais humanos, e o menor átomo de impureza o faz sofrer dolorosamente.

Quanto mais consciente o homem se torna da pureza da Fonte Divina tanto mais consciente ele se torna da impureza dos seus canais humanos.

Os grandes videntes da humanidade, enquanto ainda peregrinos da ascensão espiritual - sempre se julgam grandes pecadores; porquanto, numa sala intensamente iluminada, o ar, julgado puro num ambiente menos luminoso, se revela cheio de impurezas, por menores que sejam.

O homem, em avançada jornada ascensional rumo à luz, sofre tanto mais as suas insuficiências quanto mais se aproxima da Fonte da Luz, e as sombras que projeta se tornam cada vez maiores e mais espessas. Parece que somente Jesus, que fizera os seus canais tão puros como as águas da Fonte, podia dizer "quem de vós pode me acusar de algum pecado?"

Toda a tarefa do homem consiste em se compenetrar da verdade de que o seu canal finito recebe tudo da Fonte Infinita e esforça-se por tornar os seus canais humanos tão puros como é a Fonte Divina.

Sendo que o ego humano é por si só, impuro (egoísta), os atos emanados dele não podem deixar de ser impuros, contaminando as águas puras da Fonte. Daí a tendência de muitos místicos, sobretudo do Oriente, de quererem desistir de qualquer atividade e caírem em total passividade, a fim de não aumentarem seus atos impuros.

Entretanto, os mais iluminados compreendem que o doloroso problema da tragicidade existencial do homem não está na inatividade - como não está tampouco na atividade, mas que está numa outra espécie de atividade - numa atividade não inspirada pelo ego pecador, mas sim pelo Eu redentor. Não agir por motivo de frutos ou resultados objetivos, externos, mas tão somente para cumprir a vontade daquele que o enviou - isto redime todas as atividades da maldição do egoísmo, garantindo a pureza da Fonte do Eu divino, do "Pai em nós".

O meu Eu é indiviso, não separado da Fonte Divina, e as obras que esse Eu faz em nome da Fonte, são obras da Fonte, embora veiculados pelos canais humanos, águas puras não contaminadas pelo ego, puras como o Eu crístico, redentor.

É esta a libertação total e definitiva do homem, aqui e agora, pela proclamação da verdadeira felicidade sobre a face da Terra.

Texto revisado, extraído do livro Roteiro Cósmico

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