Tuesday 5 January 2021

A MALDIÇÃO DA FIGUEIRA ESTÉRIL

Esta parábola tem causado desapontamento, e até revolta, a muitos. É que toda a parábola é incompreensível e paradoxal quando visualizada sob a perspectiva da inteligência analítica. As parábolas nasceram de uma intuição espiritual, e somente dessa perspectiva é que podem ser realmente compreendidas. E a intuição espiritual é um transe que só a mente afastada das agitações da vida, consegue captar. Não é imaginação, que muitos confundem com intuição, mas é um estado de comunhão com a aura creadora e divina que cerca o ser humano; uma visão interna de paz e silêncio que parece ser uma invasão de fora; uma iluminação inesperada, quase um êxtase, nas palavras de Einstein.

O texto, referido por Mateus e Marcos é bem conhecido: Certo dia, Jesus caminhava com seus discípulos e se deparou com uma figueira na beira da estrada da qual se aproximou à procura de seus frutos. Mas não encontrou fruto algum, pois não era tempo de figos. A figueira cultivada produz figos na primavera ou no verão; nas outras estações perde as folhas e não produz.

Jesus, vendo que a figueira estava cheia de folhas, esperava que tivesse frutos; mas não encontrou nenhum fruto, porque não era tempo de figos; e disse: "Nunca mais ninguém coma fruto de ti."

No mesmo instante, a figueira começou a murchar.

No dia seguinte, Jesus e seus discípulos passaram pela mesma estrada, e os discípulos vendo a figueira seca exclamaram: "Olha, Mestre, como ela secou depressa!"

Qualquer profano, sobretudo o profano erudito, teria dito: "que sujeito ranzinza esse tal de Jesus ... vingar-se de uma figueira inocente pelo fato dela não ter produzido fruto, quando, segundo as leis da natureza nem podia produzi-los."

A figueira da parábola, que simboliza o homem, tinha folhagem sem frutos, sinal que não era fiel à sua natureza.

Na natureza não humana, não ocorre semelhante fenômeno, uma vez que as leis da natureza obedecem instintivamente à ordem da Inteligência Cósmica. Na natureza humana, porém, pode acontecer esse paradoxo: muita folhagem sem fruto, muitas exterioridades, sem nenhuma interioridade, muito brilho por fora, mas opaca por dentro.

Sendo que o símbolo espiritual da parábola visa ao homem, segue-se que Jesus se refere a um ser humano fecundo nas coisas do ego externo e infecundo no seu Eu interno. A maldição, portanto, não se refere ao símbolo material da figueira, mas sim ao simbolizado espiritual da figueira, ao homem espiritualmente estéril.

O filósofo inglês Bertrand Russell, no seu livro, Porque não sou Cristão, não compreendeu esse sentido místico da parábola, e por isto censura Jesus por ter amaldiçoado uma planta inocente.

Esse desapontamento do homem profano é compreensível. Mas o erro está precisamente nesse nível da sua ignorância. A parábola tem como foco, o nível material, e vai ao nível espiritual. É evidente que, no nível material do símbolo, a figueira não tinha outra alternativa a não ser a de infecundidade. Neste nível, não há nenhuma culpa nem lhe cabe maldição alguma; a figueira fez o que poderia fazer segundo as leis da natureza.

Bem diferente é o caso no nível espiritual do simbolizado, único nível que permite uma compreensão verdadeira.

O homem dotado de livre arbítrio não tem apenas uma possibilidade de ser frutífero em condições favoráveis; pode ser frutífero também em circunstâncias desfavoráveis. O homem, graças ao seu livre arbítrio, transcende as leis da natureza; pode produzir frutos bons tanto em tempo propício, quando rodeado de circunstâncias favoráveis - como também em tempo desfavorável, quando cercado de condições adversas, mesmo quando parece ser impossível ser bom. O homem não é necessariamente o produto do meio em que vive, e, se o é, prova ser derrotado pelas circunstâncias externas. Quem é bom em tempo bom é precariamente bom - mas quem é bom em tempo mau, esse é heroicamente bom. Quem produz frutos quando é tempo de frutos, é homem virtuoso - mas quem produz frutos quando, segundo as circunstâncias, não é tempo de frutos, esse é um homem sábio, um homem perfeito, um homem crístico. Ser bom com os bons é fácil. Ser bom no meio dos maus é difícil.

Os grandes Mestres espirituais da humanidade não simpatizam muito com certos virtuosos, que são bons no meio dos bons; mas sim com os heróis da sapiência, que são bons no meio de maus, puros entre impuros, livres no meio de escravos, luz no meio das trevas.

A alma da parábola é o simbolizado espiritual e não o símbolo material. No nível do simbolizado espiritual existe sempre a possibilidade de produzir fruto fora da estação, a despeito das adversidades da natureza e da perversidade dos homens. Se o Reino dos Céus fosse a morada dos que frutificam em tempo propício e fácil, o céu estaria povoado de covardes e acomodados. Mas o céu verdadeiro, que está dentro de cada homem, não é para os acomodados, os covardes, os medíocres, os hipócritas; o Reino dos Céus sofre violência, e somente os que provocam violência contra si mesmos o tomam de assalto, como se fosse uma fortaleza aparentemente inexpugnável.

A parábola frisa a necessidade que o verdadeiro homem espiritual - aquele despojado do ego - tem de se emancipar da tirania das circunstâncias humanas e proclamar a soberania da sua essência divina.

No fim, Jesus acrescenta que quem tem fé, fidelidade, sintonia perfeita com o mundo da realidade divina, esse fará mais do que ele fez com a figueira, fazendo-a secar imediatamente; esse homem poderá até mover montanhas pelo poder do espírito. "Tudo é possível àquele que tem fé," ao homem que está realmente identificado com a alma do Universo, cuja onipotência é partilhada pelo homem sintonizado com a alma da Divindade.

Texto revisado, e em parte extraído do livro Sabedoria das Parábolas 

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