“Não acumulai paras vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os destroem, onde os ladrões penetram e os roubam. Acumulai para vos tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os destroem, onde os ladrões não penetram nem os roubam. Pois, onde está o teu tesouro, aí também está o teu coração. O olho é a luz do teu corpo. Se teu olho for simples, todo o teu corpo estará em luz; se, porém, o teu olho for mau, todo o teu corpo estará em trevas. Ora, se a própria luz em ti se houver tornado em trevas, quão grandes serão essas trevas!... Não podeis servir a dois senhores: a Deus e às riquezas”.
Nesta parábola, Jesus frisa a insensatez dos profanos, que só pensam em acumular tesouros materiais – e enaltece a sabedoria do homem espiritual, que, acima de tudo, realiza em sua alma tesouros divinos.
Para se compreender o acima, não se requer nenhuma religiosidade, pois é suficiente bom-senso e lógica. Infelizmente, esses dois conceitos dificilmente atingem a mente do homem analítico, e consequentemente, tamanha é a confusão na interpretação das mensagens de Jesus, quando não se usa a razão intuitiva.
Nunca ninguém conseguiu levar para o túmulo, um único centavo de toda a sua riqueza, nem um único átomo de todas as suas posses. Assim como entramos nesta vida sem bens materiais, assim dela sairemos. Se o homem não realizou dentro de si bens espirituais, perdeu anos de existência, com a agravante de partir daqui com pesados débitos espirituais, débitos esses com que não entrou na vida terrestre; pois o Creador não concede ao homem potencialidades para não serem dinamizadas, como por exemplo do caso do terceiro servo da parábola dos talentos, que é condenado como “servo mau e preguiçoso” pelo fato de não ter feito desenvolver a cretividade que recebera.
A finalidade do homem aqui na Terra consiste em dinamizar as suas potencialidades. A vida terrestre é um período de testes, uma escola de auto-realização. Quem pode, deve dinamizar essas potencialidades; e quem pode e deve e não as dinamiza, crea débito – e todo débito gera sofrimento. As leis cósmicas não permitem servos inertes. Quem não se realiza pelas boas obras perderá a sua existência pela extinção de sua individualidade; sucumbe à “morte eterna”. Quem não se integra, se desintegra, esta é a inexorável lógica das leis eternas, que nenhum homem pode burlar impunemente.
Produzir quantidades em tesouros materiais, sem crear qualidade em tesouros imateriais, é ser servo mau e preguiçoso. As quantidades são ilusórias e voltarão ao nada - a qualidade é verdadeira e dura eternamente.
Logo depois que Jesus proferiu as palavras sobre os tesouros terrestres e os celestes, ele passa imediatamente a uma comparação enigmática, que parece não ter sentido algum com a ideia anterior: fala do “olho que é a luz do corpo”. Diz que, se esse olho for simples, todo o corpo estará em luz; mas, se o olho se tornar mau, todo o corpo estará em trevas.
A que olho, exatamente, ele se refere? E porque diz que que esse olho é simples e é a luz do corpo? E que relação existe entre esse olho simples, esse olho-luz, e o corpo humano? Além disto, que interdependência existe entre esse olho-luz e os tesouros celestes?
Por todos esses 21 séculos, os teólogos tem discutido essas palavras enigmáticas, e foi por essa razão que muitos tradutores antigos e modernos, abandonaram o texto inspirado do primeiro século por outros textos de sua invenção. Em vez de “olho” dizem “olhos”; em vez de “simples” dizem “bom” ou “são”.
Bem dizia Paulo de Tarso que “o homem intelectual não compreende as coisas do espírito, que lhe parecem tolices; nem as pode compreender, porque as coisas espirituais devem ser discernidas espiritualmente”.
Os iniciados do Oriente, há milênios, falam de um “terceiro olho”, do chamado “olho de Shiva” que, se aberto, permitiria ao homem a clarividência ou cosmo-vidência, uma percepção de realidades não sensoriais nem intelectuais. Esse “terceiro olho” está atrofiado no homem comum, pois a hipertrofia da análise intelectual do ego humano atrofiou a visão intuitiva do Eu divino. Mas, através de prolongada e profunda meditação e silenciosa introspecção, o homem pode despertar em si esse "terceiro olho" e ver coisas não visíveis ao homem profano. O estado de êxtase ou samadhi equivale ao despertamento do “olho simples”, do “olho-luz”.
A consequência dessa visão cósmica seria a iluminação de todo o corpo, que perderia a sua opacidade e adquiriria uma transparência de cristal. Alguns pensam que Jesus se tenha referido ao olho espiritual que existe potencialmente em todo o ser humano, mas que apenas existe de forma dinâmica em poucos.
Pelo despertamento desse “olho-luz” se dá a grandiosa transformação do homem, e a partir daí, ele não está mais interessado nos tesouros da terra, mas nos tesouros do céu, a sua cosmo-vidência lhe revelou como sendo única Realidade, enquanto os outros conhecem facticidades ilusórias. Esse homem não está mais interessado em servir às riquezas, mas ao espírito divino, pois somente pelo despertamento da visão espiritual é que o homem enxerga a realidade eterna.
É esta a secreta afinidade vigente entre os tesouros celestes e o olho simples.
Muitos estudiosos afirmam que há uma relação entre a glândula pineal do cérebro e o olho simples, que se manifesta segundo os orientais, na base da testa, entre as sobrancelhas. Alguns cientistas tentaram despertar esse olho dormente por meios técnicos, Aldous Huxley recorreu à mescalina, essência extraída de um cacto. Outros fizeram experiências com o ácido lisérgico (LSD), e outros excitantes e entorpecentes químicos.
Mas o resultado é precário, passageiro e contraproducente.
A abertura real e permanente do olho simples exige um treino árduo de longo período. Nem pode ser feito por meios artificiais, mas unicamente pelo despertamento total do espírito divino no homem, feito principalmente pela verdadeira meditação. Jesus frisa o efeito do olho simples sobre todo o corpo humano, que se torna totalmente iluminado, permeado de luz.
A abertura do olho simples do Eu requer o fechamento dos olhos do ego, dos olhos do corpo, da mente e das emoções. Enquanto estiverem em pleno funcionamento os olhos do ego profano, o olho do Eu místico não se abre.
Sabemos que todos os verdadeiros iniciados passaram por longos períodos de total silêncio e solidão conscientes - e assim despertaram em si o olho da visão espiritual. Quando, no primeiro Pentecostes em Jerusalém, 120 pessoas abriram o “olho simples” da alma para a realidade do reino dos céus - qual foi a consequência imediata para as suas vidas?
Lucas se refere, nos “Atos dos Apóstolos” que esses felizes convertidos se despossuíram espontaneamente de suas posses materiais, pondo todos os seus haveres a serviço de todos. Quem descobre o tesouro celeste não se interessa mais pelos pseudo tesouros terrestres, que Paulo de Tarso chama “lixo”. A consciência do Ser desvaloriza todas as ilusões do Ter. Quando aparece a luz, desaparecem as trevas. Quem abre o olho do espírito fecha os olhos para a matéria.
Texto revisado extraído do livro Sabedoria das Parábolas
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