Wednesday 27 January 2021

NÚPCIAS HUMANAS E NÚPCIAS DIVINAS

Pelas núpcias humanas se perpetua a vida racial terrestre – pelas núpcias divinas se realiza a vida individual celeste.

Em todas as literaturas, dentro e fora do cristianismo, a experiência mística aparece invariavelmente na vivência erótica. Na Bíblia, não é somente no “Cântico dos Cânticos” de Salomão, mas também no Evangelho de Jesus, onde a mística e a erótica, i.e., Eros e Lógos aparecem caminhando lado a lado.

Para poder compreender, de algum modo, tão paradoxal mistério, é necessário que vejamos sob a seguinte perspectiva: A vida é a quintessência do Cosmos. A vida é a Divindade, Brahman, Tao, Yahveh. A realidade do Cosmos, é vida.

É da íntima natureza da vida, que ela se manifeste em forma de existência, que são os seres vivos, onde a divindade eterna se revele sem cessar nas suas existências temporárias, formando o Cosmos, a unidade na diversidade.

O Cosmos é a vida que se manifesta nos seres vivos.

Mas, os seres vivos, não podendo se perpetuar individualmente, tem a irresistível tendência de se perpetuarem racialmente, na imortalidade da espécie.

A impossibilidade da imortalidade individual é substituída pela possibilidade da imortalização racial.

O instinto sexual – libido, no mundo animal, erótica, no mundo dos humanos – está a serviço da imortalização da espécie, e por isso, o irresistível entusiasmo do ser humano por sexo, pois é o imperativo categórico da vida que os seres vivos se perpetuem.

No mundo dos humanos de espiritualidade mais evolvida, a mística realiza, ao nível individual, a imortalidade do indivíduo, ao passo que a erótica realiza a imortalidade da espécie.

Erótica e mística, como se vê, estão a serviço da imortalidade, cada uma na sua esfera.

Por isto, a estranha afinidade entre o imperativo sexual, que visa procrear a imortalidade racial, e o imperativo espiritual, que crea a imortalidade individual. O crear supera o procrear.

Ao nível da experiência espiritual maior, a tendência erótica decresce na proporção do crescimento da experiência mística; quando a experiência mística atinge o zênite, a tendência erótica baixa ao mais profundo nadir. A imortalidade qualitativa extingue o desejo da imortalização quantitativa.

Os grandes místicos são, geralmente, dotados de uma irresistível potencialidade erótica – não no sentido de que, antes de se tornarem místicos, devam ter sido dinamicamente eróticos, como vemos na vida de Santo Agostinho e de Mahatma Gandhi; mas no sentido de que uma intensa vitalidade, que se revela em potencialidade erótica, pode se manifestar em potência mística, como no caso de Francisco de Assis, e, sobretudo, Jesus, nos quais não aparece nenhuma erótica dinamizada, mas a erótica potencial se manifestou diretamente em mística dinamizada. Uma erótica sadia que pode despertar numa grande mística.

Diante destas premissas, é possível compreender, de algum modo, o constante paralelo entre erótica e mística, entre as núpcias humanas e as núpcias divinas.

Mestres hindus de yoga tântrica chegam inclusive a recomendar a seus discípulos a prática de interromperem o orgasmo sexual da erótica humana no ponto culminante, a fim de entrarem subitamente no entusiasmo espiritual da mística divina. Semelhante prática parece um desafio sádico para um casal, mas baseia-se na suposição implícita de haver uma afinidade oculta entre Eros e Lógos. E, na realidade, tanto a erótica como a mística giram em torno do início de uma vida nova, seja no nível horizontal dos egos humanos conscientes interessados em perpetuar a vida racial da humanidade, seja na dimensão vertical do Eu divino supra consciente, responsável pela imortalização da vida individual do homem.

No orgasmo erótico ocorre uma união momentânea de duas vidas individuais, que eventualmente resulta em mais um indivíduo a perpetuar a espécie.

E o entusiasmo místico é semelhante a um mergulho da vida humana individual no imenso oceano da Vida Universal da Divindade e, neste momento, desperta a vida imortal integrada na Divindade. O resultado dessa concepção não é a de um indivíduo separado, mas ele mesmo com uma nova dimensão de existência. Pode-se dizer que, na experiência mística, ocorre uma auto concepção: o homem capaz de ser imortalizado, torna-se imortalizado; o ponto culminante da vida humana é esta auto concepção, no dar à luz a si mesmo, ou na famosa frase de Jesus: “Quem não nascer de novo pelo espírito não pode ver o Reino de Deus”.

- A erótica, que é a mística da carne, perpetua a imortalidade racial da humanidade.

- A mística, que é a erótica do espírito, realiza a imortalidade individual do homem.

Freud, em seu livro “Eros e Thánatos” (Eros e Morte), escreveu como que sentindo a afinidade entre Amor e Morte. Se não houvesse a morte dos indivíduos, não haveria a necessidade para o Eros, destinado a preencher com vida nova as lacunas que Thánatos abre nas vidas individuais. Eros equilibra o saldo negativo que Thánatos causa incessantemente.

Mas, quando o Eros do ego culmina no Lógos do Eu, não há mais lugar para Thánatos, porque Lógos é Athánatos, imortalidade. Quando a mística atinge o zênite, a erótica desce ao nadir. A mística em sua plenitude, não é uma erótica purificada, mas sim uma erótica totalmente superada pela mística.

Texto revisado extraído do livro Sabedoria das Parábolas

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