A mensagem de Jesus, segundo o Evangelho, não tem caráter ritual, moral, intelectual e nem social.
A sua mensagem é essencialmente metafísica, ou na busca do conhecimento das causas primárias, é ontológica, real, cósmica.
Como esta mensagem ocorreu num ambiente humano de pouca compreensão, ela foi, de início, condicionada e contaminada pela atmosfera daquele momento da história, e assim, o conteúdo divino do Evangelho sofreu o impacto dos seus frágeis recipientes humanos.
O Cristianismo herdou o seu colorido ritualista dos mistérios pagãos do Império Romano, segundo o qual a salvação do homem consiste em certas práticas mágicas e ocultistas, relacionadas com determinados objetos, fórmulas, gestos, etc.
O judaísmo da época prejudicou o Cristianismo nascente com a ideia da redenção pelo sangue, consoante a cerimônia do “bode expiatório” que se realizava anualmente em Jerusalém, e que foi glorificada por um ex-rabino judaico convertido ao Cristianismo, iniciando a concepção bárbara do sangue de Jesus a lavar os pecados da humanidade.
Mais tarde, nos primórdios da Renascença, a mensagem de Jesus foi interpretada intelectualmente, projetada sobre o fundo de uma análise da letra da Bíblia, e num ato de confiança em seu sangue como se esse sangue fosse o elixir para redimir a humanidade.
Por fim, nos dias atuais, o Cristianismo foi identificado com filantropia social, obras de caridade e altruísmo, relacionados com a ideia evolutiva de reencarnações sucessivas.
Todas estas versões podem, até certo ponto, ser aceitas como fenômenos simultâneos – mas nenhuma delas representa o centro e a raiz da autêntica mensagem de Jesus.
Ritos, sacrifícios, estudos, crenças, altruísmos – tudo isto ainda pertence à velha concepção horizontal de que o homem seja apenas o seu ego físico-mental-emocional, conceito que Jesus ultrapassou totalmente. Para ele, o homem não é esse seu invólucro, nem mesmo na forma mais purificada; o homem não é a sua personalidade, mas sim o seu Eu interno, a sua profunda e divina individualidade, a sua alma ou espírito que o Cristo chama o “Pai”, a “Luz”, o “Reino”, o “Tesouro oculto”, a “Pérola preciosa”.
Esta concepção que Jesus tem do homem e que forma a quintessência de toda a sua mensagem, é profundamente metafísica, ontológica, realista, cósmica.
A mensagem do Evangelho não visa, primeiramente, a transformação do homem-ego vicioso num homem-ego virtuoso, que Jesus rejeita com “remendo novo em roupa velha”; mas convida o homem a descobrir a sua realidade divina, já existente nele, mas ainda inconsciente; convida-o a tirar a sua luz divina debaixo do alqueire da sua inconsciência e colocá-la no candelabro da sua consciência; convida o homem a conscientizar o Pai, a Luz, o Reino, o Tesouro, a Pérola, que o homem é por natureza, mas que ignora ser; Jesus convida o homem àquilo que os filósofos orientais denominam “autoconhecimento”, e que no Evangelho aparece com o nome do “primeiro e maior de todos os mandamentos”.
A mensagem de Jesus não se refere, a algo que o homem deva fazer, mas sim ao alguém que o homem deve ser conscientemente; e deste ser da mística do primeiro mandamento resultará espontaneamente o fazer do segundo mandamento da ética – a vivência ética da fraternidade universal é, para ele, o irresistível transbordamento da experiência mística da paternidade única de Deus. Autoconhecimento místico produz auto-realização ética. Ela revolve inteiramente em torno da Realidade Metafísica do homem cujo centro e raiz é Deus, o Absoluto, o Infinito, o Eterno. Toda a sua grandeza consiste em ter atingido as alturas da visão da essencial identidade entre si e a Divindade. Por isso, essa mensagem ultrapassa infinitamente todos os altruísmos e moralismos, todos as virtuosidades e piedades, e culmina na mais excelsa metafísica da natureza do ser, da Unidade em todas as Diversidades, da Absoluta Essência em todas as Existências Relativas.
Quando o homem ainda se identifica com o seu ego tirânico, e procura fazer desse ego vicioso e mau um ego virtuoso e bom, ele anda no “caminho estreito” e passa pela “porta apertada” do dever compulsório, sempre difícil e com sacrifício; mas, depois de despertado para a consciência da realidade do seu Eu divino, ele entra na zona do “jugo suave e do peso leve” do querer espontâneo; passa da boa vontade da virtuosidade moral para a sapiência da compreensão, e sua moral dolorosa se transforma numa ética jubilosa – e só então ele encontra “repouso para sua alma”.
Quando Mahatma Gandhi escreveu que “a Verdade é dura como diamante e delicada como flor de pessegueiro”, ele compreendeu que a dureza do dever se pode associar à delicadeza do querer, suposto que o meu ego virtuoso entre na zona do meu Eu sapiente.
Felizmente, nesta alvorada do terceiro milênio, encontramos, em todas as partes do mundo, alguns homens que estão começando a descobrir e compreender a alma do Evangelho, a sentir, como afirmou J. W. Hauer, escritor alemão de estudos hinduístas e religiosos – “que a mensagem de Jesus encerra algo infinitamente mais profundo e sublime do que, geralmente, lemos e ouvimos no ocidente cristão”. Entretanto, para que se materialize essa compreensão, é necessário que o homem supere a sua intelectualidade analítica e ingresse na nova dimensão de uma consciência intuitiva, da percepção da Verdade – para que o homem profano de hoje passe a ser o homem crístico de amanhã.
Texto revisado e acrescentado, extraído do livro Entre dois Mundos
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