O alicerce da verdadeira felicidade é o exercício da Verdade, que é a consciência da realidade e a vivência com essa a realidade. Realidade, no singular, pois o homem profano fala em realidades, e para ele as realidades são tantas quantos os fenômenos ou eventos individuais que seus sentidos conseguem identificar. Ele é, necessariamente, pluralista, uma vez que os sentidos nos revelam pluralidade sem unidade. Mas o homem espiritualmente maduro é ciente da grande Unidade do Cosmos. Não quer dizer que ele negue a pluralidade, como se os fenômenos fossem simples miragens, irrealidades, o vazio ou ilusão dos nossos sentidos. Não, ele, por ser um vidente, sabe que o mundo dos fenômenos não é fictício, uma projeção existente do nosso Eu; mas sabe que esses fenômenos que afetam os nossos sentidos não têm auto realidade, conteúdo íntimo, existência autônoma; sabe que a chamada “realidade” das coisas sensórias é uma realidade meramente externa. Esse homem altamente espiritual está na unidade e na pluralidade.
A realidade única
está aqui, onde estou, onde o animal vive, onde a planta vegeta, onde o mineral
existe – mas nem todos os seres percebem a realidade em toda a sua amplitude.
Há uma infinita escala de percepções, de acordo com a habilidade de quem
percebe. O grau de percepção ou consciência, determina a perfeição de um ser,
na imensa hierarquia ascendente dos seres. Um ser totalmente consciente, é, por
isto mesmo, infinitamente perfeito, e um só. Um ser destituído de percepção ou
consciência seria inexistente, um puro nada. Todos os seres, pelo próprio fato
de existirem como entidades reais, possuem certo grau de percepção ou
consciência, que podem ser primitivos, e que fazem com que os seres humanos
altamente perceptivos ou conscientes, considerem esses seres como não
perceptivos ou inconscientes.
A não percepção de
uma realidade, pode provir também de uma causa contrária, de um grau de
realidade excessivamente elevado para os sentidos de percepção, como acontece,
por exemplo, com as ondas luminosas de frequência superior ao poder visual dos
nossos olhos, e inúmeras outras vibrações que não afetam os nossos órgãos sensitivos,
ou então os destroem instantaneamente com o seu extremo poder; assim como não
percebemos normalmente, a realidade das vibrações de altíssima frequência sonora,
que é para nossos ouvidos “irrealidade sonora”, ou silêncio.
Coisa análoga
acontece no nível da consciência; uma consciência excessivamente elevada escapa
à nossa verificação consciente, afetando-nos como “inconsciência”. Nenhum ser
individual pode ter de Deus uma percepção absolutamente perfeita, plena e
integral. Deus, a Consciência Infinita, a consciência total, é tão intensamente
consciente que a sua consciência nos parece, como seres debilmente conscientes,
inconsciência.
O indivíduo não
percebe a realidade assim como ela é, mas assim como ele a enxerga, e como já
diziam os antigos filósofos: o conhecido está no indivíduo que conhece segundo
o seu modo de conhecer.
O homem percebe
Deus de acordo com o seu nível de consciência dessa realidade, mas na medida em
que ele gradativamente se diviniza, perceberá Deus de um modo mais divino, isto
é, mais verdadeiro. A princípio, existe uma enorme distância entre o objeto
percebido (Deus) e o ato de perceber no homem em sua infância espiritual, sendo
essa distância diminuída à medida que ele amadurece espiritualmente, tendo
assim, uma percepção mais verdadeira de Deus.
O homem profano
possui um máximo de subjetividade, que só a ele interessa ou pertence, e um
mínimo de objetividade, no que tange ao mundo divino – ao passo que o iniciado,
o místico, o vidente, o verdadeiro santo, possui altíssimo grau de objetividade
e mínimo grau de subjetividade. E, como o objeto conhecido é universal por
natureza (Deus), o iniciado se torna universal, cósmico, na razão direta em que
se aproxima de Deus pela sua intuição. E, uma vez que Deus é a essência de
todas as coisas, o iniciado, estando identificado com Deus, está também
identificado com todas as manifestações de Deus, as creaturas, os fenômenos da
natureza. Por mais estranho que pareça, é absolutamente certo que ninguém está
mais próximo da natureza, ninguém vive em maior intimidade com as creaturas do
que aquele que vive identificado com o Creador, porque, sendo ele “um com o
Pai”, é também um com todos os seres que são um com Deus, pois todos os
videntes e amantes do Deus do mundo sempre compreenderam e são amigos do mundo
de Deus.
Devido a essa
divina intimidade com a natureza, o iniciado é um homem amigo e aliado da
natureza e que usa as leis naturais com a mesma espontânea facilidade com que
um amigo usa os bens de outro amigo, porque existe entre eles uma comunhão.
O profano
intelectualizado julga ter submetido a natureza à sua vontade, e se julga
senhor e soberano do mundo da física e da química – pura ilusão! A natureza
serve ao homem unicamente porque o homem tem que se submeter às leis da
natureza, da qual pouco ainda conhece; mas, no mesmo instante em que o homem
contrariar uma só das leis naturais, a natureza se revolta implícita ou
implicitamente contra o homem. O homem profano, intelectualizado, não é amigo e
aliado, mas inimigo e explorador da natureza; a natureza não coopera com esse
homem, como nenhum escravo colabora verdadeiramente com seu tirano senhor; a
natureza obedece ao homem a contragosto, intimamente revoltada, em face dos
monstruosos crimes que o homem “civilizado” e mecanizado comete contra ela, dia
a dia, a serviço de seu abominável egoísmo e ganância. O homem está divorciado
da natureza e a natureza vinga-se do homem explorador, não apenas em forma de
milhares de acidentes, mas também com uma legião de moléstias, físicas e
mentais, que ela desencadeia, em escala crescente, contra o seu impiedoso
usurpador.
O único homem
realmente senhor das leis da natureza é o iniciado, o santo, o homem
cristificado: porquanto, só pode ser senhor da natureza quem lhe é amigo e
aliado – e só pode ser amigo e aliado da natureza o homem identificado com o
Senhor da natureza, que é ao mesmo tempo seu maior amigo, Deus.
Numa dimensão mais
evoluída espiritualmente, conhecer é o mesmo que poder; saber é poder. O
verdadeiro saber é uma experiência vital e profunda da intuição creadora do
homem.
A infinita
sapiência de Deus é o onipotente Creador do Universo – e a divina sapiência do
homem que conhece a Deus é a sua potência irresistível que “remove montanhas”,
e para a qual não existe o “impossível.”
O dom natural
perceptivo dos seres, nos diversos planos, pode ser, por exemplo, comparado a
uma rede de pescar: uma rede de malhas largas corresponde ao poder sensitivo que
temos em comum com o mundo animal. Nesses vãos apanhamos certos fenômenos de
natureza muito primitiva e grosseira, como são as coisas do mundo físico
material, ao passo que outras realidades mais finas e sutis escapam pelas malhas
mais largas da rede.
Uma rede de malhas
finas simboliza o nosso poder intelectivo, um dom natural humano, que capta
coisas mais refinadas do que os órgãos sensitivos, como os fatos do mundo
imaterial, metafísico, lógico, racional; as relações causais existentes entre
os seres individuais da natureza, sobre a qual está baseada toda a cultura
científica e técnica do homem. A própria palavra “intelecto” ou, “inteligência”
define admiravelmente a função específica dessa habilidade: pelo intelecto o
homem interpreta as realidades existentes dos seres individuais, realidades que
para as malhas grosseiras dos sentidos são irrealidades, coisas inexistentes,
pelo fato de não afetarem esses órgãos primitivos.
Finalmente, a rede
de malhas ultra finas, representa o poder intuitivo, que retém o que existe de
mais fino e sutil no Universo, a Realidade Espiritual!
O homem meramente
intelectualizado não pode compreender as realidades do mundo espiritual, porque
fogem às malhas não suficientemente sutis da sua rede intelectiva. Por mais que
o homem espiritual procure e tente explicar a seu irmão meramente intelectual o
que é Deus, Cristo, vida eterna, etc., ele não consegue captar o verdadeiro
sentido dessas palavras, que passa imperceptível através das suas largas malhas
intelectuais; para ele, “Deus” é uma “palavra sagrada”, ou mesmo uma “ideia
poética”, mas de forma alguma uma “realidade objetiva”.
Quando Santo
Agostinho foi interrogado sobre o que era Deus, ele respondeu: “Se ninguém me
pergunta, eu sei o que é Deus – mas, se alguém me pergunta, confesso que não
sei.” Quer dizer, intelectualmente, ele ignora, espiritualmente sabe o que é
Deus; mas, como essa sutil realidade apanhada pela rede do espírito não é
analisável e definível pela rede primitiva da inteligência, se pode ter a
experiência intuitiva de Deus, sem poder dar dele uma definição intelectiva.
O que o homem intelectual
deve fazer para compreender o mundo espiritual não é intensificar a sua
inteligência – que seria a continuação da mesma linha horizontal – mas tomar
outra direção – a direção da verticalidade. Evidentemente, não se chega a ter
uma vertical pela adição ou multiplicação de horizontais e mais horizontais; é
necessário abandonar esse plano e iniciar um rumo diferente.
Essa mudança da
horizontal para a vertical é o que se chama conversão, redenção, salvação, que
não é a soma total das intelectualidades horizontais, mas é um novo início, uma
direção inédita, uma “vida nova”, um “renascimento pelo espírito”, o descobrimento
de um novo mundo até então nebuloso e ignorado. Não é uma “continuação” de algo
pré-existente, mas é um “novo início”, um fato virgem, absolutamente original –
é uma deslumbrante luz no meio das trevas.
É esta a razão por
que esse “novo início” não pode ser manufaturado pelo “homem adâmico”, a partir
de certos materiais pré-existentes e por ele inventados, mas por uma radical
mudança de consciência, na sua unidade com o Infinito, com o gradativo abandono
das tiranias do ego, e o renascimento de um novo homem em Cristo.
No comments:
Post a Comment