Quem vê nos ensinamentos de Jesus uma religião democrática, apenas exotérica, destinada a ser vulgarizada e acessível a qualquer profano, está profundamente enganado. Não há nada mais hierárquico e esotérico, ou seja, pouco compreensível pelos comuns mortais, do que o Evangelho, em certos aspectos. Por exemplo: é uma verdade quando Jesus se refere a “muitos são os chamados,” os exotéricos, mas também é verdade que “poucos são os escolhidos,” os esotéricos, pois muitos seres humanos ainda andam na horizontal da ética, mas poucos ascendem às alturas verticais da mística. Aliás, o próprio termo grego ekklesía (em latim ecclesia, em português igreja) é um vocábulo eminentemente místico-esotérico, porque é derivado de ek (fora) e kaléo (chamar). A ekklesía consta daqueles que foram “chamados para fora,” transferidos de dentro da grande massa dos “chamados” para dentro da minoria dos “escolhidos”. Também os “chamados” são candidatos à ekklesía, mas só os “escolhidos” é que estão, de fato, na consciência da ekklesía.
“A vós vos é dado conhecer os mistérios do reino dos céus – diz Jesus ao pequeno grupo de seus apóstolos – enquanto ao povo só lhe falo em parábolas de maneira que, ouvindo, dificilmente entendem”.
Todas as grandes religiões têm esses dois grupos, não em virtude de uma divisão arbitrária, mas em consequência dos diferentes graus de evolução espiritual dos seus seguidores. Paulo de Tarso escreve aos cristãos de Corinto que a alguns deles só lhes deu leite para beber, por serem ainda “infantes em Cristo,” ao passo que aos “adultos em Cristo” lhes deu comida sólida.
O mundo material é essencialmente hierárquico, e nada democrático. Há seres em todos os graus de perfeição, pois o Universo é uma imensa graduação de potencialidades. A sua unidade é máxima, porque a Causa Infinita de todas as coisas é uma só - e sua variedade também é máxima, porque os efeitos finitos dessa Causa Infinita são todos originais e inéditos. O Creador não faz cópias, não repete nenhuma das suas obras; todas elas são absolutamente originais.
Há quem veja "injustiça” da parte do Creador, pois partem de uma falsa premissa, o erro de que alguma creatura tenha "direitos" diante do Creador. Mas esse direito não existe, nem no mundo material nem no mundo espiritual. Será que uma violeta branca, sob a sombra de uma árvore, se sente humilhada e tratada com injustiça, porque no alto dessa mesma árvore floresce uma orquídea de deslumbrantes cores e formas, e será que a orquídea se enche de vaidade diante das suas perfeições?
Nem a violeta se sente humilhada nem a orquídea se sente orgulhosa, porque nenhuma das duas tem o direito de ser o que são; ambas sabem – na intimidade de sua misteriosa consciência biológica - que tudo o que elas têm é graça, pouco ou muito; nada é merecimento, porque nenhum ser finito pode merecer algo do Infinito. O Creador distribui os seus dons como ele quer, de graça, e cada creatura deve dinamizar plenamente aquilo que está contido em suas potencialidades. Não há nada objetivamente pequeno ou grande - o pequeno e o grande são feitos subjetivamente. Um varredor de ruas que realiza com 100% de pureza e perfeição a sua tarefa, presta um serviço muito maior à comunidade, do que o governante de um povo que realiza a sua tarefa de estadista com apenas 10% de pureza e perfeição. Tudo consiste em fazer grandemente todas as coisas, pequenas ou grandes.
Objetivamente, todas as coisas são neutras, nem pequenas nem grandes, nem boas nem más; quem lhes da forma e colorido, grandeza ou pequenez, bondade ou maldade, é o homem que as realiza, deste ou daquele modo.
A natureza não humana, aparentemente inconsciente e não livre, só pode executar a sua tarefa de um único modo, aquele que lhe foi designado pelo espírito do Creador, que lhe infundiu esta ou aquela potencialidade. O homem pode variar a medida, graças à sua consciente liberdade; mas a grandeza vem sempre do sujeito livre e ativo, e não do objeto passivo e não livre.
“Muito será exigido a quem muito foi dado – e pouco será exigido a quem pouco foi dado”. Essa rigorosa equivalência entre o que “foi dado” e o que “será exigido” revela uma Lei Cósmica, não menos gloriosa do que perigosa. Um ser livre dotado de grandes potencialidades, tem muito mais reponsabilidade do que outro cuja potencialidade máxima representa pouco. Com o valor da doação recebida do Creador, cresce, proporcionalmente, a obrigação do homem em apresentar resultados. Quanto maior a potencialidade, tanto maior tem que ser também a sua dinâmica – sob pena do homem perder a própria potencialidade deixada sem resultados.
De maneira que os “escolhidos” para “conhecerem os mistérios do reino dos céus” são sobrecarregados de uma responsabilidade espiritual muito maior do que os que foram “chamados” para ouvir as grandes verdades apenas em parábolas.
Quem se envaidece pelo fato de ser um dos “escolhidos,” mostra com isso que não é realmente escolhido, porque ninguém se pode envaidecer de algo que não é dele, mas do Creador; os dons espirituais, porém, não vêm do ego humano, mas sim do Eu divino.
Compete ao homem intensificar a sua receptividade espiritual para poder “conhecer os mistérios do reino dos céus”; mas essa receptividade, por mais apurada, nunca pode ser causa intrínseca desse conhecimento, mas apenas condição extrínseca. A verdadeira causa é sempre o Creador, e por isso a graça é e sempre será um dom gratuito, e nunca um merecimento humano – assim como a iluminação de uma sala com luz solar não é o resultado da abertura da janela fechada – que funciona apenas como condição – mas sim da atividade do sol.
Texto revisado, extraído do livro Assim Dizia o Mestre
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