Existe um erro secular dentro do cristianismo das igrejas, ou das teologias humanas, de que toda certeza venha de textos sacros, que a revelação de Deus esteja limitada aos escritos na Bíblia, e, pior ainda, que Bíblia se entendam as frases, as palavras e as letras contidas nesse livro.
Nesse sentido, o pastor norte americano, Harry Emerson Fosdick, que se tornou uma figura central na controvérsia fundamentalista-modernista do protestantismo americano nas décadas de 1920 e 1930 e foi um dos ministros liberais mais proeminentes do início do século XX, e altamente reverenciado por Martin Luther King Jr., ter afirmado que essa infeliz mania, essa horrível bibliolatria – de querer decidir tudo com textos bíblicos individualmente analisados e arbitrariamente interpretados, dividiu o protestantismo em centenas de seitas oficialmente registradas, além de dezenas de outras, isto só nos Estados Unidos.
Bem afirmou Paulo de Tarso que: “não da letra, mas do espírito: pois a letra mata, mas o espírito dá vida”, pois quanto mais se analisa a letra da Bíblia sem lhe atingir o espírito, mais e mais se multiplicam as seitas dentro do cristianismo teológico.
Não se tem notícias de que Jesus, que intimamente possuía o espírito dos livros sacros, tivesse analisado textos bíblicos para aprofundar o seu conhecimento de Deus. Quando Francisco de Assis, esse incomparável cristão santo, ouviu que alguns de seus discípulos tinham fundado, em Bolonha, uma biblioteca afim de estudar teologia e discutir textos bíblicos, recusou-se a hospedar-se nessa espécie de seminário teológico, receando que seus discípulos sufocassem o espírito divino do Evangelho sob o peso morto das teologias humanas.
Na verdade, para quem possui o espírito divino da Bíblia, o estudo correto da letra só lhe pode aumentar e intensificar esse espírito, mas quem pensa que pelo simples estudo analítico de textos possa tornar-se um cristão genuíno e integral, vive um perigoso erro, confundindo quantidade com qualidade, identificando a revelação divina com erudição humana.
Jesus frequentemente passava noites inteiras nas alturas dos montes ou na solidão dos ermos abismando-se no oceano da Divindade – mas não nas páginas de um livro – numa profunda e constante introspecção e intensa comunhão com o Pai. E nesses longos solilóquios, iluminado pela luz de Deus, Jesus se banhava e com a alma repleta de uma firmeza, tranquilidade, paz e serenidade que nenhuma interpretação de textos pode oferecer.
Este é o maior mal do cristianismo moderno, sobretudo do cristianismo chamado “evangélico”, pelo fato de ter substituído o Evangelho vivido pela teologia discutida.
Quem uma vez passou uma única noite, ou uma hora sequer, nesse banho de luz divino, que é o Evangelho vivido, sabe com infalível certeza que a redenção do ser humano não está nesta ou naquela igreja, teologia ou interpretação, mas num encontro pessoal com Jesus nas infinitas profundezas do Evangelho. Pode-se dizer que Jesus é o cristianismo e que quem não se identificou com ele pela experiência pessoal não vive o cristianismo. Pode-se dizer até – por mais que isso escandalize os inexperientes – que nem mesmo o conhecimento do Evangelho, como texto, garante a posse real dos ensinamentos do cristianismo, embora seja um bom caminho para atingir esse alvo.
Existem pessoas que conhecem todas as páginas da Bíblia, os quatro evangelhos, e não vivem o cristianismo, porque não sabem experiencialmente o que é o Cristo, pois não tiveram o seu encontro pessoal com Deus. O encontro pessoal com o Cristo é a grande descida do Espírito Santo na vida do homem; é o passo decisivo, a morte do homem adâmico ressurgindo no homem crístico, a transição das trevas para a luz, da morte para a vida.
Querer que alguém prove, com textos extraídos de algum livro sacro ou com alguma organização religiosa e seus estéreis rituais, por mais poderosas que sejam, que Jesus via a Deus, o homem e o mundo numa grandiosa visão panorâmica, numa estupenda Harmonia Cósmica, é se confessar analfabeto do espírito do Evangelho e ignorar que os maiores gênios espirituais da humanidade experimentaram ao entrarem em contato íntimo com o espírito vivificante do Evangelho.
Texto revisado, extraído do livro Evangelho ou Teologia?
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