É um erro pensar que a ausência da liberdade, no sentido tradicional, destrua a responsabilidade da vida ética. Para ilustrar essa verdade, vamos estabelecer o seguinte princípio: Quanto mais livre é um ser humano, mais ele é responsável pelos seus atos. E como nenhum ser humano é totalmente consciente, não pode ser plenamente livre.
Benedito Espinoza (1632-1677), nega que o homem seja inteiramente livre em algum dos seus atos, porque a liberdade é idêntica à consciência, e, como nenhum homem é totalmente consciente, nenhum homem pode ser plenamente livre. Só o Creador é totalmente consciente, e, portanto, plenamente livre. Na essência do Creador, não existe vestígio de causalidade, no sentido de ser causado; qualquer outro ser está sujeito à causalidade, e, portanto, não é livre. Sendo que a essência do homem é divina, em sua essência o homem é livre, mas na sua individualidade enquanto fenômeno que existe, não é idêntica ao Creador, mas muito inferior. Portanto, como indivíduo existencial, o homem não é livre, embora o seja idêntico à substância essencial. A natureza do Creador que no homem habita, é livre - ao passo que a natureza do mundo que no homem habita, não é livre. O elemento divino no homem é determinante, mas não determinado - ao passo que o elemento mundano no homem é determinado e não determinante. O Creador, sendo a causa, determina - o efeito, que é a creatura, é determinado. 1
De maneira que o homem, livre por sua essência divina, não é livre por sua existência humana - quer dizer que há nele um misto de ativo e passivo, de positivo e negativo, de livre e não-livre - ou seja: uma liberdade limitada, e, por conseguinte, uma responsabilidade limitada, parcial, imperfeita.
Dessa responsabilidade limitada segue-se que o homem não pode nem se identificar e nem se separar inteiramente do Creador.
Se, por um lado, é limitado o grau de liberdade de qualquer creatura, segue-se que ela não pode jamais superar a sua causa divina; que ficará eternamente ao alcance e dentro do contexto da jurisdição de quem o creou. A creatura consciente é livre, por mais que se revolte e por mais responsável que seja por todos os seus atos, mas nunca e em caso algum chega a ser totalmente livre. Se houvesse liberdade total da parte de alguma creatura, o Creador teria perdido a sua jurisdição sobre essa parcela de seu universo, e a soberania divina deixaria de ser absoluta e integral.
Por isso, é rigorosamente lógico afirmar a responsabilidade moral dos homens, embora não se admita que o homem seja absolutamente livre. A responsabilidade ética não exige essa responsabilidade absoluta, pelo contrário, a liberdade absoluta é incompatível com a ordem ética. Só onde existe liberdade parcial é que pode haver ordem ética. O Creador não é um ser ético, porque Ele é absolutamente livre.
A ética não existe no mundo da completa ausência nem da completa presença da liberdade - nem no mundo envolto em trevas da inconsciência total nem no mundo iluminado da sapiência total.
A ética só pode existir num mundo onde é incompleta tanto a ausência como a presença da liberdade, ou seja, no mundo das sombras da semiconsciência.
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1)- Se algo é determinado, é porque lhe tem sido imposto um fim, um término e por conseguinte, qualquer autonomia ou liberdade, é restrita. Por sua vez, quando algo é determinante, é porque tem o poder de terminar, que detém o poder da escolha, de um começo e um fim, e esse fator determinante é livre, Divino.
Texto revisado, extraído do livro A Filosofia Contemporânea, volume II e em colaboração com Hernán Fandiño Mariño.
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