Tuesday 6 July 2021

ERA JESUS UM MESTRE BONDOSO?

Os nossos devocionários e manuais de teologia espiritual tem a tendência de apresentar Jesus como tendo sido o “meigo Nazareno,” “o Mestre bondoso,” etc. Essas expressões, embora verdadeiras, dão ao leitor uma ideia errônea sobre o verdadeiro caráter de Jesus.

Ser meigo, ser bondoso, é, para muitos de nós, ser bom e conivente com todas as fraquezas humanas; ser incapaz de rigor para defender a verdade e a justiça. A ideia que muitos livros dão de um mestre espiritual é que ele nunca diga não diante das fraquezas, indisciplinas e misérias dos outros. Para muitos, o mestre espiritual deve ser, acima de tudo simpático, deixando tudo como está para ver como é que fica.

Não encontramos, porém, nenhum desses traços na personalidade de Jesus. Ele é, acima de tudo, o defensor da verdade, honestidade, da disciplina, da retidão da vida humana, quer seja agradável ou desagradável.

Quando três homens queriam ser discípulos dele, ele não os abraçou entusiasticamente como maravilhosos idealistas ou espiritualistas, mas encarou calmamente um destes entusiastas e lhe disse: “As raposas tem cavernas, as aves tem ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” E o deslumbrado candidato desapareceu para sempre.

Um outro entusiasmado declara que quer ser discípulo dele, contanto que ele lhe permita despedir-se primeiro da sua família. Mas Jesus replica: “Quem lança mão do arado, e depois olha para trás, não presta para o reino de Deus.” E, com esta bombástica resposta, o candidato sentimental desapareceu também.

Outro jovem foi convidado por Jesus a segui-lo simplesmente dizendo: “Segue-me”. E o convidado estava mesmo disposto a segui-lo contanto que ...

E aqui vem as costumeiras condições restritivas: “Permite, que eu vá primeiro sepultar meu pai que acaba de falecer,” e ele ouve a categórica resposta: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos - tu, porém, vai e proclama o reino de Deus.”

Um mestre bondoso e simpático, devia ter atendido a um pedido tão razoável. Mas Jesus mostra ser rigoroso e, aparentemente, pouco amável. Qualquer mestre teria atendido um pedido tão humano e piedoso. Ele, porém, tem a coragem de negar o pedido e defender a verdade e a disciplina.

Nenhum desse três casos mereceria a Jesus o título de meigo, bondoso, simpático!

Exige com rigor que: “Quem não renunciar a tudo que tem, não pode ser meu discípulo”.

Por ocasião das cerimonias da purificação do templo, Jesus não pede gentilmente aos profanadores que por favor se retirem com as mesas de câmbio para o lado da entrada do santuário - mas faz de umas cordas um chicote e ameaça os vendilhões, derrubando as mesas dos cambistas, bradando: “Não façais da casa do meu Pai uma praça de mercado, um covil de ladrões.” Desafiava e enfrentava sem medo os supostos doutores da lei – poderosos pontífices da religião oficial da época - apontando-os como “sepulcros caiados”, hipócritas ... “cegos guiando outros cegos,” nessa “luminosa” miopia espiritual ... Quando os judeus cruzavam os braços no sábado, afirmou que que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado ... Ou numa outra ocasião, quando de uma cura espiritual mal sucedida por seus discípulos, Jesus adverte: “Ó geração sem fé e perversa! até quando estarei convosco? até quando vos terei de suportar?” ...

Enquanto Jesus falava da Verdade no templo, sua mãe e irmãos o esperavam do lado de fora, sem conseguir entrar devido a multidão, quando alguém avisou Jesus que eles gostariam de falar com ele, essa foi a resposta: “Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?” e estendendo os braços sobre seus discípulos disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos! Pois todo aquele que atender os desejos de meu Pai que está nos céus, esses sim, são minha mãe, minha irmã, meu irmão.”

O caráter de Jesus é universalista. Para ele, acima de tudo, a verdade, a santidade, a dignidade da vida humana. Nem a ira ou os aplausos de ninguém lhe importava, nem a simpatia dos egoístas. Ele foi o maior restaurador religioso da humanidade, o mais arrojado revolucionário espiritual. Arrancou, sem piedade as raízes estranhas que com quarenta séculos de ritualismo judaico havia coberto a árvore da revelação que Deus plantara aos pés do berço da raça humana.

Quando o mestre age com rigor, age sempre em defesa de uma causa sagrada, e não em defesa de sua personalidade ofendida. Mas, ai de quem põe em risco a verdade, a justiça, a sacralidade, o respeito devido aos valores eternos da vida humana! Diante disto, o verdadeiro mestre só conhece rigor e disciplina.

É muito comum entre nós encobrir a fraqueza ou covardia espiritual com o véu colorido da espiritualidade, de bondade, de meiguice humana.

A imensa maioria do nosso mundo social necessita mil vezes mais do rigor da verdade do que da meiguice da bondade. Amor sem rigor não é amor verdadeiro. Quem é rigoroso consigo mesmo pode ser rigoroso com os outros, sem faltar com a verdade e ao amor.

É possível dizer verdades duras a alguém sem o ofender, se esse alguém percebe que o rigor é inspirado pelo amor.

Estranhamente, quem é tratado com rigor, estima mais o mestre do que aquele que é tratado com bondade sem rigor. Somente um homem profano espera ser tratado sempre com sensível e doce bondade, porque ele não está interessado na sua auto-realização.

Texto revisado e em parte extraído do livro Que Vos Parece do Cristo? 

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